A saúde mental dos colaboradores de uma empresa reflete diretamente nos seus resultados, o que se traduz em produtividade, engajamento e retenção de talentos. Mas não é fácil lidar com o estresse para que não resulte em adoecimento físico e mental - diminuir a sua incidência é um aprendizado diário, que precisa da atenção de todos os stakeholders da empresa.
Essas e outras reflexões são da psicóloga Fatima Macedo, CEO na Mental Clean, consultoria especializada em saúde mental e emocional – e em entrevista ao Blog IBGC, a especialista trouxe mais detalhes sobre esses assuntos. Confira:
Blog IBGC: Você pode falar sobre as causas do adoecimento mental no trabalho?
Fátima Macedo: Quando falamos em adoecimento mental, é muito importante considerarmos que, em sua grande maioria, ele não se dá de um dia para o outro. Salvo em casos traumáticos como o de perdas repentinas e tragédias, o adoecimento mental é um processo que ocorre gradualmente e motivado por múltiplos fatores. Temos a hereditariedade, características pessoais e de personalidade, eventos de vida e o próprio trabalho entre alguns desses fatores.
Com relação ao trabalho, destaco os fatores de risco psicossociais presentes no dia a dia da pessoa, entre os quais a carga de trabalho excessiva, o assédio moral ou sexual, metas abusivas, entre outros. Quanto mais intenso e duradouro o estresse ocupacional, maior o risco do burnout ou de outro transtorno mental.
Como perceber que se está passando por momentos ansiosos e/ou depressivos no trabalho?
Quando falo desta trajetória, sempre chamo a atenção para o fato de que, antes do adoecimento, temos diversos sinais que nos contam que algo não vai bem. Daí a importância do autoconhecimento. Inicialmente, podem ser sinais em nosso corpo, mudanças em nosso comportamento, relacionamentos ou modo de pensar, motivados por um quadro ansioso ou depressivo.
No trabalho, a queda na performance ou a perda de interesse nas atividades podem estar motivadas pelo sofrimento emocional. A concentração, o foco e a atenção, assim como a memória e raciocínio lógico ficam prejudicados, impactando em erros e perda de prazos. O isolamento e os problemas de relacionamento no trabalho também são sinais importantes. Começam a surgir conflitos desnecessários e de difícil compreensão até para a própria pessoa, que passa a se sentir desmotivada e sem apoio. Em alguns casos, o desejo de sair fica tão intenso que o pedido de demissão parece a única saída.
Nem sempre estamos prontos para aceitar o que parece o óbvio. Algumas pessoas apresentam dificuldade em buscar ajuda. Isso se dá por preconceito, medo, dificuldade em reconhecer um problema emocional, falta de apoio social, entre outros motivos.
O estigma das doenças mentais, a culpa por estar doente por uma questão profissional e o medo de ter a vida profissional afetada são impeditivos para se buscar ajuda?
Com certeza! Ainda temos um percentual alto de profissionais que só buscam ajuda quando já estão adoecidos. Rompemos a barreira de se falar do tema, porém, avançamos pouco no quesito estigma e preconceito dentro do trabalho.
Segundo a Organização Panamericana de Saúde, a depressão é a principal causa de incapacidade em todo o mundo – só que, por outro lado, ela é também uma das principais causas de sofrimento evitável no mundo.
Se é evitável, o que está faltando para diminuir o número de casos? Um maior entendimento da importância do cuidado com a saúde mental? Está faltando ampliar o acesso à informação e ao tratamento? A resposta é sim para as três perguntas, mas vejo também que temos um outro ponto aqui: mesmo pessoas com acesso à informação e ao cuidado, estão adoecendo. Então, falta prevenção.
Como prevenir o adoecimento mental dos profissionais nas empresas? Essa é uma pauta para os conselhos?
Não temos como olhar para a saúde de um colaborador se não for de forma integral. A saúde mental é parte integrante da nossa saúde, e, na minha opinião, é carro-chefe para uma vida com mais qualidade, pois é determinante na forma como gerenciamos nossa vida pessoal e profissional.
O tema avançou nas empresas e nos conselhos, mas avalio que a discussão e o entendimento da sua importância precisam ir além.
Entre 2013 e 2019 os diagnósticos de transtornos mentais, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cresceram em torno de 43% no mundo – e detalhe, não havia pandemia. Após a pandemia, a OMS publicou um estudo que mostra aumento de 25% nos transtornos mentais, com alto impacto financeiro. Temos 12 milhões de dias perdidos no mundo, custando à economia global quase 1 trilhão de dólares, também segundo dados de 2022 da OMS e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Se o papel da responsabilidade corporativa é zelar pela sustentabilidade da organização, visando a longevidade – como vamos falar de longevidade e negócios sustentáveis com presenteísmo e pessoas se afastando do trabalho e altos prejuízos financeiros?
Uma das nossas orientações é que a alta liderança leve para todos os níveis de liderança como quer que o tema seja tratado, qual o posicionamento da empresa a respeito e que busque ter coerência entre o que é falado e o dia a dia na empresa.
Sabemos que algumas empresas ainda têm receio de tocar no assunto, seja por medo de ser responsabilizada pelo adoecimento ou por achar que as pessoas começariam a apresentar mais atestados de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CIDF).
Um trabalhador adoecido emocionalmente está com foco e atenção comprometidos, a qualidade da entrega não é boa, comete mais erros, perde prazos, apresenta mais problemas de relacionamento com colegas e se ausenta com mais frequência.
Que ferramentas de suporte as empresas podem oferecer a seus colaboradores?
A primeira delas é encarar de frente o tema, e evitar a visão de que somente oferecendo tratamento psicológico a empresa lidará com essas questões. Vale considerar que ter um ambiente de trabalho mais saudável é uma construção do dia a dia – e que é preciso colocar foco na diminuição da incidência do adoecimento, e não só na prevalência, senão é ficar enxugando gelo.
E para diminuir a incidência, é preciso conectar todos os stakeholders. Para isso, é preciso estudar os dados que a empresa já possui a respeito dos casos de adoecimento por CIDF (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e doenças relacionadas, estudar o absenteísmo, o turnover, as pesquisas de clima e engajamento, e o perfil de sua população, mapeando a saúde mental de seu efetivo. Também indico aprofundar nas causas do adoecimento e ter um olhar sistêmico sobre a saúde e o adoecimento mental no trabalho, o que fará toda diferença na escolha de ações de prevenção e promoção.
É preciso identificar os fatores de risco que contribuem para o estresse ocupacional, agir sobre eles, e ampliar os fatores de proteção à saúde mental do trabalhador. Existem muitas outras ações que podem ser desenvolvidas na empresa, com ferramentas de autocuidado e autodesenvolvimento, e que só terão resultados se forem bem gerenciadas e com acompanhamento de indicadores. E sem dúvida alguma, é necessária a participação da área de gestão de pessoas em todo esse processo, como uma grande parceira da saúde ocupacional.
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