“Governança faz trajetória até IPO ficar mais suave”

Para Flavia Mouta, diretora de emissores na B3, prazo maior para cumprir regras do Novo Mercado pode atrair mais empresas menores

  • 18/06/2021
  • Ana Paula Cardoso
  • Bate-papo

Mais de 80% das companhias que fizeram oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3 nos últimos 20 anos ingressaram diretamente na listagem Novo Mercado. É a prova que o segmento, considerado o mais alinhado com as boas práticas de governança corporativa, consolidou-se como o principal segmento da bolsa brasileira. E por que o Novo Mercado é mais atrativo se ele exige mais das empresas?

“Quando uma companhia vai para o Novo Mercado e consegue R$500 milhões, R$ 800 milhões ou R$1 bilhão, os olhos brilham. É a prova de que a governança traz resultados. O Novo Mercado faz da governança algo do mundo real”, disse Flavia Mouta, diretora de emissores na B3.  Em entrevista ao Blog do IBGC, ela também falou que fazer o mercado de capitais ficar mais próximo de empresas de menor porte é um tema importante para a B3.

Não por acaso, em 13 de maio deste ano, saiu um comunicado a respeito da concessão de prazo adicional para que companhias ingressantes no Novo Mercado possam se adaptar a algumas das regras do segmento de listagem. “Esta medida deixa o mercado de capitais mais adaptado e atraente às ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) de empresas menores”, disse Flavia. Veja a seguir a entrevista na íntegra.

IBGC. Nos últimos 20 anos, 80% das companhias que foram listadas buscaram o Novo Mercado. O que isso representa em termos de avanço de governança?
Flavia Mouta. São os critérios, tem relação com as regras às quais as empresas precisam adaptar-se. Por exemplo, a obrigatoriedade do comitê de auditoria, essa estrutura grande de fiscalização e controle dentro das companhias. Porém, há um ponto que eu sempre gosto de ressaltar: há algum tempo existia uma crença de que o Novo Mercado era a solução para evitar todo tipo de não-conformidade. E quando acontecia de uma empresa se desalinhar das regras, sempre havia o questionamento “poxa, mas como aconteceu tal coisa numa companhia listada no Novo Mercado?”. Acho que, com o tempo, a gente conseguiu caminhar para dar um pouco mais de clareza: Novo Mercado é um conjunto de regras que ajudam a mitigar riscos de governança. Mas ele não é a solução para todos os males. A listagem não é um antídoto por si só. 

E por que o Novo Mercado é mais atrativo se ele dá, digamos, “mais trabalho” às empresas?
Em evento do IBGC no qual estive presente, a Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM disse que o Novo Mercado transformou a governança em cifrões. Adorei quando li no Blog do IBGC a matéria (da cobertura de uma plenária do 21º Congresso IBGC)  no qual o título foi essa frase. Essa fala dela é emblemática. Porque ainda há quem considere a governança corporativa como algo abstrato. Mas aí, quando uma companhia vai para o Novo Mercado, que é o principal segmento de listagem de governança corporativa da bolsa de valores do Brasil, e consegue R$ 500 milhões, R$800 milhões ou R$1 bilhão, os olhos brilham. Quando se consegue traduzir em dinheiro, em cifrões como a Maria Helena tão bem colocou, a governança corporativa torna-se tangível. A governança traz resultados. As boas práticas conseguem ajudar o empreendedor a desenvolver o seu negócio, a fazer seu empreendimento crescer e, consequentemente, desenvolver o país. Então, o Novo Mercado faz da governança corporativa um mundo real e concreto. 

Neste mesmo evento que você mencionou, vocês também debateram sobre um mercado de capitais mais adaptado às pequenas empresas. O que seria um mercado de capitais mais adaptado a receber empresas menores ou familiares? 
A B3 já vivenciou no ano passado e no início deste ano algumas ofertas de menor porte. Em 2020, tivemos uma companhia que capitou R$ 200 milhões. Perto da média, que é de R$1 bilhão, é um valor pequeno, mas isso já denota um movimento mais recente de empresas de menor porte, especialmente as voltadas para a tecnologia, ingressando no Novo Mercado. Considero isso positivo, antes as empresas menos robustas acreditavam que abrir capital não era para elas. Também considero que seja fruto do trabalho que tem sido feito na B3. Temos muita clareza que nosso papel é auxiliar essas companhias de menor porte a conseguirem vivenciar o mercado de capitais. O mercado de capitais precisa chegar até elas. Em maio a gente soltou um comunicado sobre uma mudança no critério de adaptação às regras do Novo Mercado:  as empresas que estão fazendo IPO agora tem 12 meses possam se adaptar às regras do Novo Mercado depois de terem ingressado. E isso torna a listagem mais atrativa e adaptada a essas companhias de menor porte. Elas serão acompanhadas de perto e terão toda orientação da B3 para chegarem ao fim desse prazo em conformidade com as regras da listagem. 

E qual seria sua orientação primordial para as empresas que buscam IPO?
Um dia desses eu estava preparando uma aula e tinha esse trecho em um livro: os empreendedores não podem dar esse passo de abertura de capital exclusivamente porque eles estão vislumbrando um saco de dinheiro ali na frente. Eles precisam acreditar que a companhia aberta vai ser melhor, vai prosperar de uma maneira melhor. O empreendedor precisa ter em mente que, se a empresa abre o capital, não continuará com a mentalidade de companhia fechada. Nem será aquela que o dono toca o dia a dia sem prestar contas a ninguém. Ter consciência de que será preciso compartilhar a gestão da companhia - e ter clareza em relação a esse passo que está sendo dado - é fundamental. Um IPO não deve ser feito apenas porque o mercado está aquecido e, assim, possibilita uma entrada de capital. Não vai funcionar. Agora, quando já se aplica conceitos de governança, de acordo com as estratégias do Novo Mercado, ainda como companhia fechada, a trajetória até o IPO será muito mais suave.