Em artigo, especialistas refletiram sobre as fragilidades organizacionais internas diante da pandemia
Muito tem se falado, nos últimos anos, sobre mecanismos de conformidade e suas aplicações pelas empresas que atuam no Brasil.
A pandemia da Covid-19, que se espalhou rapidamente por todo o mundo em três meses, culminou na fragilização dos processos internos das organizações e dos relacionamentos com e entre colaboradores e terceiros. A ética corporativa nunca foi tão testada. Cabe às áreas de Compliance das empresas, junto a seus líderes executivos, estabelecerem um tom de humanidade e respeito às pessoas, sobretudo em um contexto tão particular como o atual. Desvios a esse tom são cada vez mais reportados no canal de denúncias em função dos impactos da pandemia, e devem ser endereçados e tratados adequadamente.
Desde 2014, acompanhamos um aumento expressivo de iniciativas associadas ao estímulo à ética corporativa – desde o estabelecimento de regras de conduta, passando pela aplicação de treinamentos e planos de comunicação, até a instauração de processos de investigação corporativa e aplicação de medidas disciplinares. Um dos mecanismos de detecção mais eficaz para o monitoramento dessas regras é o canal de denúncias.
Essa ferramenta não é nova. Organizações de diferentes setores utilizam os canais de denúncia para receber relatos de irregularidades há anos, sendo que, inicialmente, esses canais eram geridos por uma pessoa ou uma área dentro da organização e focavam, primariamente, em denúncias de assédio ou roubo.
Com o aumento da integração das cadeias de suprimentos, maior interdependência de fornecedores, terceirizados e parceiros além do uso intensivo de tecnologia nos negócios, o canal convencional – por telefone e gerido por uma única pessoa – deixou de ser oportuno e até mesmo, efetivo. Inúmeras soluções para gestão do canal foram aprimoradas e são oferecidas pelo mercado. Algumas condições representam as melhores práticas e precisam estar presentes em qualquer implementação:
- Estrutura independente de atendimento. Oferecer o canal de denúncias que opere fora da estrutura da empresa, incluindo os domínios virtuais, reflete numa maior confiança do denunciante quanto a proteção de seu anonimato (caso opte por essa condição);
- Disponibilizar para os denunciantes um sistema seguro para obtenção informações sobre status e acompanhamento dos seus relatos;
- Diversos meios de atendimento. O canal deve estar acessível por diversos meios de contato: desde o telefone com atendimento pessoal e gravação de voz, site, aplicativos de celular, e mail, entre outros;
- Canal apto a receber relatos em diversos idiomas;
- Canal disponível para o público interno (colaboradores) e externo (fornecedores, clientes, parceiros). Boa parte das denúncias podem ser originadas por terceiros e devem ser tratadas com a mesma diligência do que uma denúncia interna;
- Time especializado. Os operadores que realizam o atendimento através do 0800 e time destinado à revisão dos relatos devem ser especializados em Riscos e Fraudes, além de conhecer a linguagem do setor para prestar atendimento customizado;
- Equipe multidisciplinar. O time deve ser composto por profissionais com formações que se complementam, incluindo advogados e psicólogos.
É importante que o canal seja operado por pessoas capacitadas e experientes, não só para revisar com qualidade a suficiência e integridade do relato, mitigando riscos na condução incorreta das apurações, mas também para se relacionarem de forma profissional e atenciosa com o denunciante.
Além de todos os aspectos relacionados ao fortalecimento da estrutura de governança corporativa, contar com um canal de denúncias efetivo protege as organizações em relação a danos de imagem e riscos legais. Conhecer e endereçar antecipadamente os eventos de desvio de conduta relacionado às suas operações permite às empresas reagir rapidamente a eventos que podem trazer sérios danos à sua imagem ou às contingências legais e financeiras.
Tanto o canal de denúncias como programa de compliance têm um papel fundamental de prevenir e detectar desvios de conduta, instaurar as regras de comportamento, em um esforço coletivo entre gestores, equipe e terceiros, com foco no incentivo, fortalecimento e implementação da cultura ética nas organizações.
Camila Araújo e Ticiana Chicourel, sócia e gerente sênior da área de Risk Advisory da Deloitte, respectivamente.
Este artigo é de responsabilidade das autoras e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.