Arbitragem e seus dogmas

Artigo de Gustavo Moraes traz reflexão sobre a real eficácia da arbitragem em matéria societária adotada no Brasil 

  • 18/02/2020
  • Autor Convidado
  • Artigo

Não se discute que a arbitragem é um meio efetivo de ministrar justiça em uma disputa societária, em especial pela especialidade dos árbitros e pela celeridade que um processo não sujeito a apelação proporciona. Porém, desde sua gênese no Brasil ela vem sendo tratada de maneira um tanto dogmática, sem muito debate sobre eventuais necessidades de adaptação frente a diferentes realidades, em especial nas relações envolvendo acionistas minoritários.

Um estudo preliminar recém divulgado no Brasil questiona a real eficácia da arbitragem em matéria societária da forma como vem sendo adotada no Brasil. O estudo foi realizado por um grupo de trabalho (GT) formado por participantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia e tratou do “fortalecimento dos meios de tutela reparatória dos direitos dos acionistas no mercado de capitais brasileiro”.

Um dos temas abordados no estudo diz respeito aos desafios envolvidos no uso da arbitragem em companhias abertas no Brasil.

Números da arbitragem no Brasil

O estudo indica que desde 2001, quando houve o início das atividades da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), cuja adesão é obrigatória para as companhias listadas nos segmentos Nível 2 e Novo Mercado da B3, foram conduzidos 116 procedimentos arbitrais (51 em andamento e 65 concluídos), com 79 das disputas relacionadas a questões de direito societário, tais como anulação de deliberações assembleares, indenização por violações contratuais ou atos ilícitos praticados por administradores etc. Apenas 11 desses 79 processos (14%) foram propostos por acionistas minoritários exigindo indenização de acionistas controladores ou da companhia, todos os quais estão pendentes de decisão.

Do problema e possíveis soluções

Tais números parecem corroborar conclusões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de diretores da Securities and Exchange Commission (SEC, na sigla em inglês) e um artigo recente publicado no Fórum de Governança Corporativa e Regulamentação Financeira da Harvard Law School sobre possíveis prejuízos aos investidores ao serem forçados a resolver litígios do mercado de valores mobiliários por meio de arbitragem.

Essa conclusão decorreria do fato de que a arbitragem da CAM funciona bem para resolver disputas societárias entre um pequeno número de partes, porém não foi projetado para lidar com direitos coletivos, como direitos de indenização envolvendo inúmeros acionistas de companhias abertas. Portanto, embora haja uma impressão ampla de que a adoção obrigatória da arbitragem contribui para fortalecer a aplicação da lei societária e as regras do mercado de capitais, algumas das suas características podem acabar criando barreiras à proteção dos direitos dos acionistas.

O estudo aponta como uma das alternativas para a evolução da arbitragem em matéria societária no Brasil a garantia de que todas as partes interessadas tenham conhecimento do início da arbitragem e assim possam integrar o polo ativo da demanda, ou ao menos tenham conhecimento da decisão arbitral proferida ao final para que possam também reivindicar seus direitos nos termos da decisão. Tal alternativa estaria em linha com uma decisão do Supremo Tribunal Federal da Alemanha de 2009 sobre este tema. É importante que se supere a dogmática que cercou a arbitragem em matéria societária até hoje e se promovam estudos que possam identificar as eventuais deficiências da forma como a arbitragem vem sendo tratada no Brasil, bem como se promova um debate visando a sua evolução.

A Comissão Jurídica do IBGC vem desde 2017 promovendo esse debate internamente e saúda o trabalho elaborado pelo GT, com a esperança de que possamos dar mais um importante passo rumo ao desenvolvimento do nosso mercado de capitais, assim como foi o passo que viabilizou o próprio uso da arbitragem em matéria societária.

Sobre o autor

É sócio do escritório Veirano Advogados e coordenador da Comissão Jurídica do IBGC.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.