“Conselheiro independente líder ainda não é tema central das discussões nos boards”

Para Alexandre Di Miceli, da Virtuous Company, órgãos de governança precisam de mais orientação sobre a prática comum nos EUA  

  • 30/04/2021
  • Ana Paula Cardoso
  • Bate-papo

Recentes movimentos de assembleias de grandes empresas brasileiras acenderam no Brasil a luz para a discussão sobre a figura do conselheiro independente líder. O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa recomenda que os conselheiros independentes devem assumir maior protagonismo nas discussões, caso haja acúmulo dos cargos de diretor-presidente e presidente do conselho de administração. 

O papel do conselheiro independente líder surgiu com força nos Estados Unidos há cerca de 20 anos. Isso porque, naquele momento, o cargo de presidente do conselho de administração era ocupado pelo CEO em 90% das empresas americanas. “Esse conselheiro independente líder não é uma obrigação legal nos Estados Unidos. Mas virou a praxe do mercado para solucionar possíveis conflitos de interesse”, disse Alexandre Di Miceli, fundador da Consultoria Virtuous Company e autor do livro “Governança Corporativa no Brasil e no Mundo”.

Di Miceli conversou com o Blog do IBGC e falou que o mercado ainda precisa de orientações sobre esse papel. Ele considera que o tema conselheiro independente líder ainda não é central das discussões nos boards. “No Brasil ainda se debate como ter conselheiros independentes numa proporção minimamente razoável”, opinou Di Miceli. Veja a seguir a entrevista na íntegra. 

IBGC. Qual é a origem do conselheiro independente líder?
Alexandre Di Miceli. A figura do conselheiro independente líder surgiu basicamente nos Estados Unidos, porque lá há uma tradição de as empresas terem a mesma pessoa ocupando o cargo de CEO e de presidente do conselho de administração. É meio que um ponto de honra para muitos CEOs, de só quererem atuar se eles se sentirem no comando da empresa em todos os níveis. Para se ter uma ideia, há 20 anos 90% das grandes empresas americanas tinham a mesma pessoa ocupando os dois cargos. Atualmente, este percentual está na casa de 50% para as 500  maiores empresas do país listadas em bolsa. Então, o conselheiro independente líder surgiu nos Estados Unidos para tentar solucionar conflitos de interesses.

E qual é o papel do conselheiro líder nos conselhos de administração? 
Basicamente ele vai ser um representante dos conselheiros independentes e vai ser também um ponto de contato entre o conselho de administração e os investidores externos. E, de certa maneira, vai ser um contrapeso quando o CEO exerce também o cargo de presidente do Conselho. Afinal, manter a uma mesma pessoa ocupando dois cargos e ao mesmo tempo provar ao mercado que o conselho de administração tem uma postura independente é um desafio. O conselheiro independente líder não é uma obrigação legal nos Estados Unidos. Mas virou a praxe do mercado nas empresas com a mesma pessoa ocupando os cargos de CEO e chairman.

Quais seriam as qualidades desejadas para o conselheiro independente líder?
Para começar eu tenho dito, e escrito nos meus livros, que antes de falarmos do conselheiro independente precisamos lembrar do qual é o perfil desejado para um conselheiro efetivo. Então, independência é um atributo, mas não é a qualidade única. No caso do conselheiro independente, no entanto, eu diria que é preciso ainda ter mais exigências. Para começar, ele ou ela precisa ter o respeito dos pares, que deve ser conquistado ao longo de uma trajetória. Então, teria que ser uma pessoa que que seja madura, não necessariamente do ponto de vista de idade, mas de experiência. Em particular o conselheiro independente precisa ainda ter o soft skill sóciocomportamental, porque vai exercer o papel de mediador, ser um intermediário tanto entre stakeholders e a empresa. Quem desempenhar esse papel precisa ter muita sensibilidade e muito trânsito. Uma postura que mescle o assertivo com a diplomacia.

À luz da governança corporativa, considera ser importante discutir o papel do conselheiro independente líder no Brasil?
As empresas no Brasil costumam ter um controlador muito bem definido. Então, o tema conselheiro independente líder ainda não é central das discussões nos boards. No Brasil ainda estamos no estágio de se debater como ter conselheiros independentes numa proporção minimamente razoável. De certo que temos o caso da Vale que está se transformando numa corporation, que é uma estrutura distinta da maioria das empresas brasileiras. O mercado precisa ainda de orientação para saber o que é o conselheiro independente e o que é o conselheiro dependente líder. Para ter ideia desse papel e entender como as empresas podem se adaptar. Porque governança corporativa não é matemática. Precisa haver flexibilidade, seguindo os princípios fundamentais de boa governança. O importante é que cada empresa reflita sobre maneiras de assegurar um conselho de administração com postura independente. Então, cada empresa tem que ter a capacidade de refletir e dizer como ela está conseguindo ter um órgão de governança que atenda a meta de independência, que combina com a visão moderna da governança corporativa: a de que o conselho de administração deve levar em consideração os interesses não só dos acionistas, mas de todos os stakeholders.