“Crise climática é crise coletiva: desastrosa para os humanos e péssima para os negócios”

Guarany Osório, coordenador do novo curso do IBGC sobre mudanças climáticas, fala dos riscos, da competitividade e das oportunidades desta agenda

  • 01/12/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

Em recente relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC/ONU), a comunidade científica tem sido clara sobre as estimativas de mudanças no clima em todas as regiões da Terra. Se nada for feito para frear o ritmo atual de emissões de gases poluentes, haverá maior ocorrência de desastres que comprometam a qualidade de vida de toda a sociedade. O que cabe neste momento aos tomadores de decisão?

Levando em consideração a complexidade desta agenda, o IBGC acaba de lançar o curso “Mudanças climáticas e o papel dos conselhos”, voltado especialmente aos conselheiros de administração já atuantes no mercado, assim como membros de comitês que têm interesse em aprofundar seus conhecimentos no tema. Sob a perspectiva da estratégia, o curso também é parte da iniciativa Chapter Zero Brazil, a qual tem o IBGC como representante no país.

Para falar sobre as principais mensagens da comunidade científica, os riscos e oportunidades da agenda climática e como os conselhos podem incorporar informação atualizada para suas estratégias empresariais e para os processos de tomada de decisão no dia a dia, o Blog IBGC conversou com um dos coordenadores do curso, Guarany Osório, também  coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. Confira a entrevista na íntegra com o especialista, a seguir:

BLOG IBGC: O Relatório AR6, lançado em agosto deste ano, pelo IPCC, mostrou que a menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, nos próximos 20 anos o aquecimento global deve atingir ou ultrapassar a meta de 1,5°C de aquecimento. O que a Ciência está tentando dizer com esses dados?
Guarany Osório: A Ciência está alertando a sociedade para uma trajetória de emissões mais segura, que não aumente o aquecimento em 1,5°C a 2ºC até o final do século. Essa é, na verdade, uma das principais mensagens científicas que já vêm sendo disseminadas desde a década de 1980 e que tem apoiado as convenções de clima da ONU, como a recém finalizada COP26. O Acordo de Paris, firmado em 2015, entre os países, já foi construído com o objetivo de não ultrapassar essa meta de 1,5ºC. Isso porque as implicações previstas neste racional científico são graves. Alguns países insulares como Maldivas e Tuvalu, por exemplo, podem deixar de existir levando populações inteiras a buscar outros locais. Ou seja, tudo isso pode se traduzir em mais desastres e muitos prejuízos econômicos nos próximos anos. Não fazer nada agora é negligenciar todas essas perdas e impactos gigantes no futuro.

E o que demanda um cenário como este, sobretudo após a COP26, cuja programação terminou no último mês?
Precisamos de tomada de decisão coletiva, pois o problema é global e os países precisam fechar essa conta. Nesta última conferência, houve o aumento expressivo de ambição pelas nações participantes, mas estaríamos em um cenário muito mais otimista se os países focassem em todas as metas com as quais têm se comprometido, desde o nível global até o local. A COP criou um cenário retórico favorável. Agora, precisamos ter um cenário regulatório de negócios favorável também, para que a gente transite para essa economia com baixa emissão de carbono.  Quando eu falo sobre tomada de decisão coletiva me refiro aos países, as empresas, as comunidades, aos jovens e ao setor financeiro. Ou seja, todo mundo é importante nesse processo para dar o apoio e suporte político, pois vale lembrar que o Acordo de Paris, além de uma abordagem top down (do topo para a base), com transparência e supervisão, tem uma abordagem também bottom up (da base para o topo), em que os países são responsáveis por colocar suas metas livremente e desenvolver seus instrumentos para cumprir essas metas.

Quais são os principais obstáculos para cumprimento dessas metas?
O que acontece é que os países voltam para casa e não fazem sua lição de casa que inclui, minimamente, adaptar suas legislações nacionais; adaptar seus planejamentos e construir pacotes de instrumentos de implementação para dar sustentação de modo que as metas se concretizem. Temos desde problemas globais, com várias regras ainda a serem definidas, até este problema local em que os países têm que desenvolver seus pacotes. Para trilhar essa trajetória precisamos de muita transformação. Transformações de modelos de negócios, informação sobre tecnologia, cultura, governança e legislação. Isso tudo precisa ser adaptado.

Diante de iniciativas que não estão na velocidade que a Ciência recomenda, quais são os riscos para a sociedade e para os negócios?
Esse cenário climático traz riscos tanto físicos, quanto riscos de transição. Como ainda estamos em uma economia muito pautada em carbono e energia fóssil, marcada pelo desmatamento ilegal, isso traz um risco reputacional para os negócios que pode remeter a não estar no caminho certo, por exemplo. Há o risco também do seu setor ser estigmatizado como um setor contrário a toda a mudança necessária e que gera um mal à sociedade. Além disso, temos os riscos tecnológicos, já que adotar novas tecnologias requer olhar para elas de forma estratégica. Os negócios não podem estar tão focados em energia fóssil a médio e a longo prazo. Os riscos comerciais também são grandes, se o país possui desmatamento ilegal e não cuida do clima, vai enfrentar um problema de barreira comercial.

Quais são alguns dos exemplos ao redor do mundo em que são visíveis os riscos de transição?
A própria Europa tem alavancado essa iniciativa de barreira comercial a quem não tem legislação para as mudanças climáticas. Isso sem falar no risco regulatório e de investimentos. Embora não seja obrigatório no Brasil, a precificação de carbono (tributo e mercado regulado) já é tendência em muitas nações. Junto a isso, grandes assets, como a BlackRock, já anunciaram que vão alocar o capital de acordo com as melhores práticas nesta agenda. Por isso, o setor privado tem que estar ligado, porque é uma agenda de risco, mas também de competitividade e oportunidade. E as empresas que estão na agenda olhando para essa migração de economias são as líderes de seus respectivos setores. Há uma desvantagem competitiva para quem não está olhando para isso.

Tem sido comum a associação entre o confinamento gerado pela pandemia e a redução de poluentes. Isso é comprovado cientificamente? Quais devem ser as prioridades para 2022, visto que a retomada presencial das atividades em diferentes setores tem sido crescente?
Momentaneamente, houve uma desaceleração das economias durante a pandemia e as economias são muito pautadas em energia fóssil. Houve redução nos voos, diminuição do comércio internacional, e a produção industrial também diminuiu. Ocorreu a redução de gás de efeito estufa no mundo durante a pandemia. Só que a infraestrutura de uma economia pautada em energia fóssil não foi suprimida. Quando as atividades econômicas foram retomadas, essa infraestrutura não desapareceu. Estavam lá a infraestrutura de energia e de transporte, por exemplo. Então, quando você reativa essa infraestrutura que não foi transformada, há a retomada das emissões, algo que já havia acontecido em algumas outras crises. Mas o Brasil foi na contramão das emissões mundiais, porque o desmatamento aumentou em 2020 e depois em 2021, o que fez com que o país aumentasse as emissões mesmo durante a pandemia.

O IBGC, atento a esta urgência, está lançando o curso “Mudanças climáticas e o papel do conselho”. Enquanto, coordenador técnico do curso, pode nos contar um pouco como esta iniciativa vai apoiar os tomadores de decisão?
Primeiro, é importante considerar que o tema é muito complexo. Por isso, vamos olhar para o desafio global, enquadrar o problema e partir de pilares da discussão climática sob a perspectiva econômica, de risco e legal. Alguns tópicos incluem a trajetória de emissões no nível internacional; a realidade brasileira e as políticas públicas. A gente vai falar de mitigação, precificação e mercados de carbono. Como a gente não tem regulação no Brasil esta agenda tem andado de forma voluntária por aqui. Tudo isso para chegarmos à etapa de como essas informações complexas devem ser incorporadas nos processos de tomada de decisão. Ou seja, é algo provocativo, com um olhar crítico sobre como levar essa massa de informação atualizada para as estratégias empresariais e para os processos de tomada de decisão no dia a dia dos conselhos brasileiros. A crise climática é uma crise coletiva que é desastrosa para os humanos e péssima para os negócios. A pandemia já mostrou isso. Se o empresariado desembarca da ciência ele está embarcando rumo à sua destruição, pois trata-se de uma agenda que envolve risco, competitividade e oportunidade.

Para saber mais sobre o curso “Mudanças climáticas e o papel dos conselhos”, acesse aqui.