Desafios e lições na aplicação de voto múltiplo e voto a distância

Compreensão de conceitos, engajamento ativo e diagnóstico são pontos de atenção nas assembleias de eleição de conselheiros

  • 18/06/2021
  • Gabriele Alves
  • Eventos

A temporada de assembleias para eleição dos conselhos de administração em 2021 foi marcada por questionamentos. Especialmente quanto ao uso do voto múltiplo e do voto a distância entre os acionistas locais e estrangeiros do mercado de capitais no Brasil. Atento aos desafios e aprendizados em evidência neste período, o IBGC promoveu, na última quarta-feira (16), o evento Voto a Distância e Voto Múltiplo: lições aprendidas nas Assembleias 2021, que reuniu associados e não associados do instituto, além de especialistas no assunto que estimularam o debate.

O encontro se configura em um contexto no qual ainda se realizam algumas assembleias em grandes companhias – como é o caso da Petrobrás, que teve nova assembleia convocada recentemente para a eleição de oito das onze cadeiras do conselho de administração – e cujos impasses com aplicação e processamento desses tipos de votos, questionados pelos investidores, jogam luz à relação com os acionistas minoritários.

Isso porque ambos os votos são instrumentos importantes para garantir a esses acionistas representatividade e efetiva participação nas eleições em conselhos concentrados por acionistas majoritários. “O que se tem visto entre os próprios membros do conselho de administração são alguns desafios, muitos deles de compreensão sobre os temas que vêm surgindo. Sobre o voto múltiplo, por exemplo, há pouca intensidade de utilização, poucas decisões e muitas dúvidas em torno de sua aplicação” ponderou Richard Blanchet, sócio da Blanchet Advogados e moderador do evento.

Voto múltiplo e voto a distância

Segundo o artigo 141 da Lei de Sociedade por Ações (Lei S/A de número 6404), o voto múltiplo pode ser aplicado quando se atribui a cada ação a quantidade de votos equivalente ao número de cadeiras a serem preenchidas no conselho, concedendo ao acionista o direito de acumular votos em um único candidato ou distribuí-los entre outros. Para Alexandre Costa Rangel, diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), “uma leitura adequada do artigo 141 passa, necessariamente, pela interpretação do voto múltiplo como instrumento de proteção do acionista minoritário, uma vez que confere a ele um mecanismo de representatividade no processo de eleição dos conselhos de administração”. 

Já o voto a distância concede ao acionista o direito de votar, remotamente, mediante envio do Boletim de Voto a Distância (BVD) ou via escriturador. Como esclareceu João Laudo, coordenador geral do Capítulo Rio de Janeiro do IBGC e sócio sênior da Bocater Camargo Costa e Silva Rodrigues Advogados, esse tipo de voto já havia sido normatizado pela CVM, em 2015, mas só em 2020, a partir da medida provisória de número 931, foi concedida a possibilidade de realizar assembleias de companhias abertas de forma integralmente digital.

O que se viu, a partir de então, principalmente no contexto da pandemia da Covid-19, foram práticas digitais cada vez mais incorporadas – e tidas como facilitadoras – ao  comparar o sistema de assembleias presenciais/híbridas ao sistema remoto. “Antes do voto a distância, em uma assembleia típica na B3, tínhamos participação de 800 a 900 acionistas estrangeiros e a documentação de representação dos investidores, se fosse empilhada, provavelmente passaria de um metro de altura. O voto a distância resolveu essa questão, mas não eliminou obrigações com a documentação exigida”, descreveu Rogério Santana, diretor de relacionamento com empresas e assets da B3. 

Desafios e lições da temporada 2021

Por outro lado, apesar dos processos serem viabilizados de forma integralmente digital, os equívocos operacionais não se ausentaram do regime de votação. Quanto à participação dos investidores estrangeiros, por exemplo, Eduardo Figueiredo, diretor e head de renda variável (Brasil) na Aberdeen, esclareceu a relevância proxy voting process, mas frisou que houve inconsistências de votos, em virtude de muitos deles terem sido processados de forma diferente da instrução dos acionistas.

“Só foi possível saber desses votos um mês depois, após algumas cobranças de confirmação. Mas isso evidenciou que esse tipo de conciliação e confirmação de votos, também é uma ferramenta para corrigirmos erros de maneira rápida e mais estrutural na cadeia de votação”, disse Eduardo.

Outro desafio que também serviu como lição foi relacionado à identificação dos acionistas. Isabella Saboya, ex-conselheira de administração e ex-coordenadora do comitê de auditoria da Vale S.A, por sua vez, pontuou que, como investidora, costumava se comunicar com as companhias com bastante antecedência para informá-las quais os fundos estariam representando nas suas assembleias, bem como o número de ações de cada fundo. “Frequentemente não havia o nome da gestora nem do acionista na razão social presente na lista de acionistas”, afirmou Isabella.

Tais desafios operacionais têm acenado a um engajamento ativo para enfrentar essa complexidade que, muitas vezes, acaba surgindo às vésperas das assembleias. O IBGC, inclusive, lançou no início de 2021 o Guia de Boas Práticas em Assembleias Digitais a fim de trazer orientações sobre o tema e facilitar a adesão às assembleias digitais pelas companhias de capital aberto. Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capital (AMEC) destacou, nesta direção, a importância de ouvir todas os agentes da cadeia, principalmente os investidores estrangeiros. “Minimamente, é importante fazer um diagnóstico, para conversar com os representantes de cada um dos elos e, no final do processo, ter condições de fazer uma avaliação. Para 2022, seria muito proveitoso fazer esse tipo de diagnóstico”, finalizou Coelho.

A transmissão do evento completo está disponível para os associados do IBGC pelo Portal do Conhecimento, acesse aqui.

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