Quais são os principais dilemas do board pack – Parte 2

Segunda parte do 3º artigo sobre a qualidade do conjunto de informações disponibilizadas aos conselhos e seus comitês

  • 20/04/2021
  • Gisélia Silva e Luiz Lacerda
  • Artigo

Dando sequência à análise dos principais dilemas dos board packs, este Artigo 3 – parte 2 tratará dos dilemas da “disponibilização com antecedência”, da “transparência” e do ¨volume de informações”. Lembrando que foram abordados no Artigo 3 – Parte 1 os aspectos relacionados à “objetividade” e ao “tempo de preparação” e o papel do Governance Officer na interlocução com os agentes e órgãos de governança. 

1.Disponibilização com antecedência: 

Partindo da premissa de que as decisões devem ser tomadas pelos administradores sempre de forma refletida, informada e desinteressada, em atenção ao cumprimento dos deveres de diligência e de lealdade, recomenda-se que o prazo para disponibilização do board back esteja claramente estabelecido nos regimentos internos dos órgãos de governança e efetivamente cumprido.

A esse respeito, o Código Brasileiro de Governança Corporativa recomenda às Companhias Abertas: 

O Conselho de Administração deve ter um regimento interno que normatize suas responsabilidades, atribuições e regras de funcionamento, incluindo: (i) as atribuições do Presidente do Conselho de Administração; (ii) as regras de substituição do Presidente do Conselho em sua ausência ou vacância; (iii) as medidas a serem adotadas em situações de conflito de interesses; e (iv) a definição de prazo de antecedência suficiente para o recebimento dos materiais para discussão nas reuniões, com a adequada profundidade” (grifo nosso). 

Neste sentido, em qualquer tipo de organização, devem ser levados em consideração, além dos citados aspectos, outras questões de ordem operacional, tais como, não exaustivamente:

(i) conforme já mencionado, a disponibilidade de tempo dos membros externos do Conselho e dos Comitês para o exercício de suas funções não é usualmente a mesma que dispõem os administradores internos; 
(ii) haja vista que os citados membros externos não participam dos assuntos do dia a dia, faz-se necessário tempo suficiente para entendimento e reflexão sobre as informações disponibilizadas pela organização;
(iii) o tempo dispendido pela Diretoria para produção dos materiais não deve ser demasiadamente extenso, a ponto de prejudicar a gestão do dia a dia; e
(iv) o prazo deve ser adequado para que as informações não estejam defasadas no momento da reunião.

Além disso, deve-se considerar o nível de complexidade e a natureza da informação que está sendo colocada à disposição do conselho e dos comitês, i.e., materiais cujo teor possa expor ou não a organização a riscos significativos, que sejam apenas para conhecimento/acompanhamento, ou que demandem decisão.

Desta sorte, considerando as especificidades de cada organização, conselho e comitês, parece adequado que o prazo de antecedência para disponibilização do board pack seja discutido e revisto, seja no âmbito de uma revisão periódica dos respectivos regimentos internos ou na alteração da composição dos membros do referido órgão, com a participação da diretoria.  

Em consulta e debate informais entre membros de comissões temáticas do IBGC, os prazos de 7 e 5 dias de antecedência para a disponibilização de informações às reuniões de conselho e comitês, respectivamente, são os mais citados pelos administradores.

Por fim, na medida do possível, pode-se avaliar a pertinência de estabelecer prazos distintos a depender da natureza/propósito da informação.

2.Transparência: 

Como já referido, não compete ao Conselho de Administração a gestão do dia a dia da organização e sim o seu direcionamento estratégico. Com efeito, em decorrência disso e de que a decisão negocial do administrador deve sempre ser informada, os conselheiros e seus comitês de assessoramento utilizam, no exercício de suas funções, documentos preparados pelos diretores e por outros executivos, bem como por terceiros. 

Entretanto, o conselheiro não deve se eximir de analisar criticamente as informações fornecidas e, identificados sinais de alerta (red flags), surge o dever de investigar.

Diante da relevância do direito de confiar e do dever de investigar, a transparência das informações contidas no board pack se torna essencial para o fiel cumprimento das atribuições do conselho e dos comitês. Não obstante, é sabido que, por vezes, com o propósito de demonstrar que a gestão da organização está sob controle e que os resultados são positivos, a diretoria pode elaborar board packs que não indiquem claramente eventuais riscos, notícias negativas ou decisões equivocadas.

Isto posto, em benefício do fortalecimento da relação de confiança entre os conselheiros e diretores é importante que o conselho oriente e dê constantes feedbacks sobre a qualidade dos board packs, especialmente no que tange à transparência e completude da informação, promovendo a cultura de integridade e a transparência em todas as instâncias da organização.

3.Volume de Informações

Este talvez seja o maior dilema de um board pack. Com a maior complexidade da legislação e da regulação, muitas vezes um assunto perpassa por diversas áreas, as informações são preparadas em separado e simplesmente “juntadas”. Com isso, o material torna-se demasiadamente extenso, traz informações repetidas e torna difícil a tarefa de extrair o que é relevante.

É uma prática recorrente, não somente no Brasil como no exterior, produzir board packs com mais de 100 páginas. A quantidade do material, em tese, não serve para inferir se o volume é demasiado ou até mesmo insuficiente. Para isso, é importante que haja uma triagem e uma análise crítica pela gestão. Igualmente importante é o feedback do conselho sobre suas necessidades e expectativas, bem como sugestões de aprimoramento.

É fundamental para a eficiência do processo de tomada de decisão, que os board packs contenham informações claras, objetivas e efetivamente necessárias. Com efeito, considera-se fundamental que apresentem dados mínimos, como contexto e objetivo da apresentação, histórico de discussões sobre a matéria, descrição do problema, análise das alternativas e impactos para a organização, riscos envolvidos, competência (alçada) e, caso necessário, pedido imediato da deliberação. 

Detalhes e informações não essenciais ao propósito da apresentação devem ser evitados e, com o objetivo de otimizar o tempo, deve-se manter o foco e permitir que sejam examinadas e discutidas questões realmente relevantes à tomada de decisão.

A agenda determina quais os documentos que o conselho deve receber, e não vice-versa; o dimensionamento adequado do board pack é essencial para a dinâmica da reunião.  Sem isso, há um risco de que seja confuso ou desfocado, com recomendações não claramente suportadas pelas informações fornecidas, ou seja, a extensão e o nível de detalhamento devem refletir a prioridade relativa dos itens que compõem a agenda.

Pelas reflexões propostas nos Artigos 3, parte 1 e 2, pode-se afirmar que a solução para os dilemas dos board packs requer a atuação de diversos agentes de governança, ou seja, um time trabalhando em sintonia para prover a melhor informação, dentre os quais destaca-se a função do Governance Officer.  

Concluindo, para ilustrar o quanto esses dilemas demandam um trabalho conjunto para assegurar a qualidade da informação e, consequentemente, impactam o resultado de uma decisão, transcrevemos um trecho do guia para preparação de board packs, produzido em conjunto por ICSA e Board Inteligence, que compara a preparação do conselho a de um piloto de Fórmula 1, para o qual a melhor informação proporciona melhor desempenho.  

“Ao discutir equipes de alto desempenho, a Fórmula 1 costuma ser mencionada. Com razão. Os motoristas são aqueles que fazem o carro ultrapassar os limites, mas o sucesso não depende apenas de seus talentos. Um piloto de F1 é acompanhado no circuito por uma comitiva, dedicada à telemetria, o alimentando, em tempo real, com informações desde o torque da embreagem até a temperatura dos pneus. As equipes investem uma parte significativa de seu orçamento nas mais recentes técnicas de coleta de informações para otimizar o desempenho na corrida e desbloquear o potencial de seu piloto.” Effective Board Reporting - Transform decision making in the boardroom, 2018

No próximo artigo, iremos tratar dos facilitadores da tomada de decisão na era digital, finalizando essa série de artigos sobre board packs

Autores:

Elaboração: Gisélia Silva e Luiz Lacerda
Coordenação: Lívia de Paula Freitas
Grupo colaborador: Bruno Paulino, Claudia Elisete Rockenbach Leal, Fernando Krauss, Mariela Klee e Teruo Murakoshi 

Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.

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