“Uma estrutura de governança climática eficaz é crítica”

Ao embarcar para Glasgow, Daniela Lerário, líder Brasil na Climate Champions da COP26 fala das oportunidades relacionadas ao clima no país

  • 05/11/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

Em meio a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a Cop26, que acontece em Glasgow, na Escócia, até 12 de novembro, o Blog IBGC conversou com a bióloga Daniela Lerario, especialista em ação climática, gestão de resíduos e economia circular, para falar sobre a situação climática no Brasil e as perspectivas em governança corporativa que giram em torno desta questão. Daniela, atualmente, é líder Brasil na Climate Champions da COP26, onde lidera a estratégia brasileira de ação climática, com o propósito de acelerar a ação e ambição dos 'atores não-estatais’ ao cumprimento do Acordo de Paris.

Na última semana, ela embarcou para Glasgow destacando a necessidade do Brasil se preparar para o futuro e recuperar o protagonismo na agenda climática. Além de descrever alguns fatores fundamentais para o país no desafio climático, como: a conexão da agenda climática com a retomada econômica, o desmatamento zero, inclusive com tolerância zero para as ilegalidades, além da criação do mercado regulado de carbono. “Começando por aí já temos muito o que apresentar”, iniciou Lerario”. Confira a seguir o papo completo com a especialista:

BLOG IBGC. Qual é o seu papel enquanto líder Brasil na Cop-26? Poderia comentar um pouco do seu trabalho e as campanhas que lidera?
Daniela Lerario: O objetivo da equipe dos United Nations Climate Champions é acelerar a ambição e ação dos atores não estatais e subnacionais para o cumprimento do Acordo de Paris. Como líder do Brasil atuo no engajamento desses atores, através das nossas campanhas oficiais Race to Zero e Race to Resilience, trabalhando em colaboração com os parceiros oficiais e com a Embaixada do Reino Unido no Brasil, em apoio à presidência da COP26. Hoje, são mais de 200 atores brasileiros nas Campanhas Race to Zero e Race to Resilience.

Sobre o mercado de carbono, qual a situação do Brasil atualmente em termos de regulação? Como a Cop-26 pode influenciar o cenário atual?
No Brasil, estamos em plena construção da base regulatória de medidas e políticas que vão possibilitar diminuir nossas emissões. O mercado regulado/voluntário de carbono é uma destas políticas e faz parte de um conjunto mais amplo de medidas. Algumas instituições brasileiras têm feito um excelente trabalho nesse sentido. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) lançou em outubro um Marco Regulatório para o tema no Brasil e também de uma cartilha voltada para a sociedade civil. O CEBEDS também participa da proposta para um substitutivo ao Projeto de Lei 528/2021 atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados que traz a possibilidade real de legislação de mercados de carbono no Brasil pela primeira vez. Essas políticas são uma alavanca, mas não existe “bala de prata”. A precificação de carbono no Brasil irá acelerar a transição para economia de baixo carbono, incentivar a inovação tecnológica de emissões na geração de energia, combustíveis e da indústria com a contribuição de redução de emissões de uso do solo e fortalecer a inserção internacional do país. A discussão atual demonstra o enorme potencial brasileiro no desenvolvimento gradual e estruturado de um mercado de carbono, que poderá contribuir tanto com o cumprimento do Artigo 6 do Acordo de Paris, quanto para a economia nacional.

O Relatório AR6 , lançado em agosto deste ano, pelo IPCC, mostrou que a menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, nos próximos 20 anos a temperatura global deve atingir ou ultrapassar 1,5°C de aquecimento. Afinal, o que falta às empresas e demais setores para enfrentarem o risco climático?
Na minha visão, nosso maior desafio é a inércia e inação. Sem dúvida, precisamos de muita ambição para manter o 1.5* no alcance, mas se agirmos rápido - é algo possível, segundo o próprio IPCC. Ressalto o papel das finanças nesta transformação e a importância da coordenação e colaboração entre atores e setores. Só assim poderemos avançar no caminho para uma economia mais resiliente e zero emissões líquidas de carbono antes de 2050.

Por onde começar a pensar uma nova geopolítica em clima (novas formas de produzir, consumir, descartar)?
Está cada vez mais claro que para o Brasil não é necessário grandes transformações para que a transição se estruture. O recém lançado estudo Clima e Desenvolvimento aponta cenários possíveis e bastante ambiciosos para a NDC brasileira, todos eles demonstrando desenvolvimento econômico desacoplado das emissões, mantendo a geração de empregos. Mas o futuro será certamente diferente e quem não abrir as portas para inovação, diversidade e colaboração não poderá superar os desafios. Não há tempo a perder. Os atores precisam se mensurar, se comprometer e implementar seus planos de preferência com uma visão setorial e em colaboração com sua cadeia de valor.

Na sua visão, qual o papel da boa governança na crise climática?
Fundamental. Uma estrutura de governança climática eficaz é crítica para garantir que uma empresa avalie adequadamente os riscos e oportunidades relacionados ao clima, tome decisões estratégicas apropriadas sobre como gerenciar esses riscos e oportunidades e defina e reporte objetivos e metas relevantes e robustas no curto e médio prazos. Sem governança em vigor, as empresas estarão mal equipadas para lidar com as ameaças que já estão aí e para responder adequadamente aos acionistas e à sociedade.

Qual sua mensagem para todos os representantes brasileiros que estão embarcando para a Cop-26?
Acreditem no Brasil e busquem narrativas positivas, alinhadas à ciência e com resultados concretos. É a década da implementação e precisamos de muita coordenação e ação imediatas para cortar pela metade as emissões até 2030. Imaginem um futuro possível: 9 estados brasileiros já estão comprometidos com a Campanha Race to Resilience e 10 com a Race to Zero - isso representa mais de 56% das emissões brasileiras alinhadas com o padrão ouro de compromissos globais. O Brasil tem um grande potencial para se tornar a potência ambiental do mundo, para isso, temos que apresentar planos de implementação robustos e transparentes - imprescritíveis para a próxima década e terminar de uma vez com o desmatamento ilegal, que será fundamental nesse processo.

Na última semana, o IBGC enquanto capítulo Chapter Zero Brazil da Climate Governance Initiative divulgou um posicionamento que convoca conselhos de administração a priorizarem a crise climática no centro da estratégia de seus negócios e traz recomendações a eles para que tomem decisões efetivas e informadas a respeito da mitigação dos riscos. Saiba mais aqui.