Boas práticas são fundamentais para incorporação fatores ambientais e sociais, dizem especialistas de Ásia, América e Europa
O notável avanço das preocupações de investidores, empresas, governos e indivíduos com questões climáticas e sociais tem consolidado o fim da chamada “doutrina Friedman”, segundo a qual o propósito primordial das empresas é a geração de lucros para os acionistas. Nessa segunda década do século 21, essa visão está superada e dá lugar à percepção de que esse sistema deu muito errado. É nesse contexto que ganham cada vez mais espaço os fatores ESG (ambientais, sociais e de governança). Mas talvez a ordem das letras deveria ser diferente: afinal, é o “G” que garante o tecido que incorpora os outros dois pilares. Sem uma boa governança não é possível estruturar um modelo verdadeiramente sustentável.
Não são poucos os desafios envolvidos nesse caminho, e eles foram discutidos no primeiro painel do último dia do 21º Congresso IBGC, que contou com relevantes pontos de vista de diferentes partes do globo. Mediado por Marta Viegas, líder de governança corporativa do BID Invest, o debate “Tendências Globais em Governança Corporativa” teve as participações de Colin Meyer, professor de estudos de gestão na Saïd Business School, da Universidade de Oxford; Mak Yuen Teen, professor associado de contabilidade e ex-vice reitor da NUS Business School Cingapura; Paul Schneider, Head de Governança Corporativa do Ontario Teacher's Pension Plan. Olhares da Europa, da Ásia e da América do Norte.
Para Meyer, a questão que surge agora, e que delineia parâmetros de governança, é por que a empresas existem. “Elas existem para resolver problemas de maneira viável e lucrativa, e não para ganhar dinheiro criando problemas”, afirmou o professor. Na avaliação dele, a ideia de que as empresas devem lucrar a qualquer custo é um dos fatores desencadeadores da crise que o capitalismo atravessa. Teen compartilha dessa opinião, lembrando que o modelo mostrou seu potencial deletério já na crise de 2008. “Foi aí que, pelo menos na Ásia, a ideia de incorporar os stakeholders aos propósitos das empresas começou a ser adotada”, disse. Um aspecto interessante da adesão à agenda ESG na região é a preocupação ambiental motivada por um problema bastante real nos países asiáticos: a intensa poluição atmosférica.
Os investidores asiáticos também já voltaram seus radares para questões sociais, relata o professor Teen, mencionando o case de uma empresa. A fabricante de luvas Top Glove viu suas ações dispararem logo que começou a pandemia e aumentou a demanda pelo produto. Ocorre que, por causa de denúncias de trabalho escravo na cadeia de produção, uma carga da empresa ficou retida nos Estados Unidos. O episódio criou um sério dano reputacional, reforçado pela determinação, do governo da Malásia, do fechamento de 40 unidades fabris por falta de condições dignas de trabalho. Aquela alta inicial das ações virou pó — é a força do ESG na prática.
Observar atentamente esse tipo de situação é trabalho cotidiano na OTTP, maior plano de pensão privado do Canadá, uma organização com R$ 270 bilhões em ativos e investimentos em diversos tipos de ativos em várias partes do mundo. Segundo Schneider, a ideia é sempre afastar o fundo de empresas que possam causar problemas. “A última coisa que queremos é ver professores beneficiários reclamando do fundo de pensão nos jornais”, comentou. Para isso, são adotados quatro princípios de investimento responsável: integração de ESG ao processo de investimento, tanto pelo lado da gestão de risco quanto pela captação de boas oportunidades; engajamento com as empresas investidas, para acompanhar o que fazem e como fazem; exercício de influência para criação de processos sustentáveis nas empresas; e evolução em termos de aprendizagem.
Especificamente em relação à governança, Teen observou que o momento é propício para reavaliação de abordagens, principalmente com a revisão de práticas importadas de outros mercados. “Na Ásia, por exemplo, a abordagem de governança é uma cópia do que se faz no Reino Unido, mas parece que isso não está funcionando”, disse. “Acredito que cada país, na Ásia e em outras partes do mundo, precisa analisar seu contexto particular para saber se faz sentido replicar”, acrescentou. Ele lembrou, ainda, que nos países de sua região hoje há uma grande discussão sobre temas como a independência dos conselheiros e do mecanismo de voto em dois turnos para escolha dos independentes.
O professor Colin destacou que os países europeus, por sua vez, estão se posicionando de maneira ainda mais avançada — talvez até mais agressiva — em relação aos requerimentos de governança relacionada à sustentabilidade. Ele disse também que mesmo entre os europeus ainda existe uma questão não resolvida sobre como equacionar interesses de curto e de longo prazo. Porque, no fim das contas, o novo capitalismo requer empresas perenes capazes de oferecer retornos duradouros para acionistas e stakeholders — e ajudando a resolver problemas do ambiente e das sociedades.
O 21º Congresso IBGC acontece entre 3 e 27 de novembro e conta com patrocínio de KPMG, B3, Brunswick, Diligent, Bradesco, Cielo, Domingues Advogados, INNITI, Itaúsa e Nasdaq MZ. Para saber mais, clique aqui.