“Ninguém precisa baixar a régua, o que é preciso é dar oportunidade”

Para Jandaraci Araujo, ser antirracista é o primeiro passo para combater a desigualdade nas organizações

  • 15/02/2024
  • Angelina Martins
  • Bate-papo

Diversidade e inclusão - racial, gênero, geracional, deficiência, orientação sexual, entre outras - é uma questão de justiça social, mas pesquisas em todo o mundo afirmam que, quando as organizações agregam diferentes percepções, culturas, ideias e estilos de vida, isso se reflete no próprio crescimento e na longevidade das empresas.

Com esse foco, o Blog IBGC convidou para um bate-papo a professora, palestrante e escritora Jandaraci Araujo, especialista em finanças, relações governamentais, varejo, sustentabilidade e ESG. Conselheira independente de administração, Jandaraci é cofundadora do Conselheiras 101, programa que visa a inclusão de mulheres negras em conselhos de administração, e integra o Conselho do Capitalismo Consciente Brasil.

Blog IBGC: Quais as principais formas de desigualdade no mercado de trabalho?
Jandaraci Araujo: As desigualdades são várias, mas antes de falar sobre elas é importante enfatizar que muitas das desigualdades são decorrentes do processo discriminatório, porque se trata de conceitos inter-relacionados, mas que se referem a aspectos diferentes das disparidades.

Quando falamos de desigualdade, estamos falando de diferenças sistemáticas e estruturais entre grupos de colaboradores em relação a salários, oportunidades, condições de trabalho e promoções.

Por outro lado, a discriminação refere-se ao tratamento injusto ou diferenciado de indivíduos com base em características como raça, gênero, idade, religião etc. E acontece em várias etapas do processo de emprego, desde a contratação até as promoções e condições de trabalho. O ponto é que a desigualdade e a discriminação se retroalimentam e alimentam um sistema que beneficia poucos, ou apenas ao “sujeito universal”.

O racismo é o principal motivo de discriminação no trabalho? Que práticas cotidianas poderiam ser estimuladas para reverter esse quadro?
O racismo é um dos principais, muito em decorrência do passado escravagista do Brasil que ainda impacta de forma significativa os dias atuais, porque é estruturante. No entanto, costumo dizer que a junção de outras formas de discriminação, como sexismo, homofobia, xenofobia, intensificam e ampliam as desigualdades e a discriminação. Algumas ações podem ajudar a combater a discriminação racial e as desigualdades, como por exemplo: processos seletivos mais equitativos, treinamento antirracismo, e engajamento da alta liderança na promoção de um ambiente mais inclusivo e diverso.

Sabemos que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista para combater a desigualdade, inclusive no mercado de trabalho. Como cada profissional, empresa e conselho pode se engajar na luta contra essa situação?
Entendo que compreender a importância de ser antirracista é o primeiro passo para combater a desigualdade, especialmente nas organizações. Todas as pessoas devem se educar sobre a temática racial no Brasil, compreender a história, as experiências e as perspectivas das comunidades negras e indígenas. Os profissionais, independentemente do nível hierárquico, devem desafiar estereótipos e preconceitos, seja durante reuniões, conversas informais ou em interações cotidianas. Participar de grupos de afinidades, se houver. Dar espaço e visibilidade a colegas que pertencem a grupos minorizados, garantindo que suas contribuições sejam reconhecidas e valorizadas.

A empresa, por sua vez, deve ter uma política clara e transparente de tolerância zero em relação à discriminação. Para isso é preciso ser transparente com os dados e ações - realizar auditorias regulares para identificar disparidades salariais e de promoção com base em raça, agindo para corrigi-las.

Já um real comprometimento da liderança consiste em; os líderes devem demonstrar um compromisso claro e visível com a igualdade racial, integrando práticas antirracistas em todas as operações da empresa. Isso inclui desenvolver políticas de recrutamento inclusivas, e garantir que os processos de recrutamento sejam projetados para minimizar o viés racial e promover a igualdade de oportunidades.

O conselho, por sua vez, como um grande guardião da cultura e dos valores da organização, deve supervisionar a implementação das políticas e exigir relatórios regulares sobre as práticas antirracistas implementadas pela empresa e garantir responsabilidade por metas estabelecidas. É fundamental que esse olhar não esteja apenas no comitê de pessoas, mas faça parte da estratégia da organização em sua agenda ESG. Ser um defensor de mudanças sistêmicas, utilizando da sua influência para defender mudanças sistêmicas em políticas e práticas que perpetuam a desigualdade racial.

Apesar do aumento da contratação de pessoas negras por empresas brasileiras, ainda é pequena a participação em cargos de liderança e em programas de desenvolvimento de carreira. Como reverter esse quadro histórico?
Reverter o quadro histórico de sub-representação de pessoas negras e indígenas em cargos de liderança e programas de desenvolvimento de carreira requer esforços abrangentes e comprometidos. Requer intencionalidade e ação. Não é difícil e ninguém precisa baixar a régua, o que é preciso é dar oportunidade.

Afinal, ninguém nasceu diretor, presidente – todas as pessoas que hoje ocupam essas posições tiveram a oportunidade de chegar a esses lugares. Com isso, vale desenvolver programas de desenvolvimento de liderança, e recrutar de forma justa e transparente. Além disso, faço questão de destacar dois pontos fundamentais:
● Eliminação de viés: implementar práticas de recrutamento que eliminem viés racial, promovendo entrevistas estruturadas e diversificando os painéis de entrevistas.
● Divulgação ampla de oportunidades: garantir que as vagas de emprego sejam divulgadas de maneira ampla, atingindo diferentes comunidades e públicos. No mais, é manter sempre o compromisso de querer transformar as organizações e a sociedade, tornando-as mais igualitárias e equânimes.


Clique aqui e leia também matéria publicada no Blog IBGC com o posicionamento do instituto sobre o tema diversidade e inclusão.

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