“Não basta se comprometer com a pauta de equidade racial, tem que haver transparência”

Para Gilberto Costa, do Pacto de Promoção pela Equidade Racial, empresas precisam priorizar consistência nas ações e mostrá-las abertamente aos stakeholders

  • 13/05/2022
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

Há mais ou menos 10 anos, Gilberto Costa, executivo no J.P. Morgan, percebeu que era um dos poucos negros no mercado financeiro e, principalmente, um dos pouquíssimos negros em cargos de liderança. Com acesso a oportunidades de qualificação que a maioria da população negra no Brasil não tem, a percepção e incômodo foram motivadores para que ele começasse a atuar por mais negros em cargos similares ao seu e a engajar principalmente lideranças não negras na questão da diversidade racial.

Hoje, depois de percorrer um longo e difícil caminho no tema, em prol da inclusão de jovens negros e mulheres no setor, de modo a garantir também as perspectivas de longo prazo na carreira dessas pessoas, Gilberto é um dos líderes do assunto no J.P. Morgan Brasil e América Latina e diretor-executivo da iniciativa Pacto de Promoção da Equidade Racial. A iniciativa - que teve adesão do IBGC em fevereiro deste ano - propõe implementar um Protocolo ESG Racial para o Brasil ao reunir regras de governança que prezam pela representatividade dos distintos stakeholders envolvidos com o tema racial e oferece a oportunidade das empresas desenvolverem métricas sobre o tema por meio do Índice ESG de Equidade Racial (IEER), ferramenta inédita no ecossistema de negócios brasileiro.

O índice mede o desequilíbrio racial dentro das organizações em termos de renda destinada a profissionais negros, quando comparado ao percentual de negros na população economicamente ativa na região em que a empresa atua. Em caso de um nível de equidade racial crítico, o Pacto propõe ações afirmativas focadas na melhoria da qualidade da educação pública e na formação de profissionais negros por meio de investimentos sociais privados.

Ao Blog IBGC, Gilberto contou sua história, compartilhou uma análise sobre o ambiente de negócios brasileiro e as vantagens do Índice ESG para as empresas ao incluir a pauta racial. Ainda deixou uma mensagem clara quanto ao enfrentamento do racismo no país. Confira o bate-papo na íntegra:

BLOG IBGC: Como foi sua trajetória até ocupar uma posição de liderança no J.P. Morgan?
Gilberto Costa: Eu sou carioca, nasci e cresci na Baixada Fluminense e venho de uma família simples. Estudei em escola pública a vida inteira e nunca tive acesso a cursos de idiomas, cursinhos preparatórios para o vestibular ou faculdades particulares. Mas sempre fui incentivado a estudar e a seguir por um caminho na área em que meu pai atuava, ele é ex-militar da aeronáutica. Passei 7 anos por lá e entrei na Academia da Força Aérea, em 1986, onde me tornei piloto da reserva da aeronáutica. Mas em 1993 iniciei o curso de Ciências Contábeis na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e entrei no mercado corporativo. Quando eu entrei no mercado não se falava em diversidade. Não tinha esse tema. As mulheres ainda eram perguntadas se estavam grávidas na hora de serem contratadas e os recrutadores perguntavam onde você morava para ver se valeria te contratar por causa do número de tickets de vale transporte que você recebia. Não se falava em diversidade racial. Inclusive sempre houve um longo caminho até chegarmos a este tema, pois passamos pela diversidade de gênero, a pauta LGBT, a da pessoa com deficiência e, por último, a racial. Mas tive oportunidades com incentivos de pessoas não negras. Fiz MBA na Fundação Getúlio Vargas e intercâmbio em Boston, mas sempre soube que essas eram coisas que a maioria da população negra brasileira não consegue fazer.

Como o Pacto de Promoção da Equidade Racial colabora para mudar esse panorama de pouco acesso da população negra a oportunidades de crescimento pessoal e profissional?
O projeto tem três grandes propósitos que acredito que contribuem  para essa mudança: o primeiro é que ele acrescenta à pauta ESG a questão racial e isso é fundamental. Só vamos conseguir resolver o problema de racismo no Brasil se tivermos o apoio dos investidores, dos acionistas das empresas e do terceiro setor. Não se resolve a pauta racial em um país como o nosso isoladamente. Em segundo lugar, o projeto tem como meta o investimento em educação pública. As empresas já fazem um movimento há alguns anos de fomentar ações afirmativas para trazer mais jovens jovens negros das universidades para o mercado de trabalho. Mas e aqueles jovens que perdemos para o tráfico de drogas? Ou que perdemos durante a pandemia, porque não conseguiram concluir os estudos? Já o terceiro item é a criação do Índice ESG de Equidade Racial (IEER) para mensurar o quanto as empresas estão próximas de equidade racial na região em que elas atuam.

Como o índice funciona? 
O Índice mede a equidade racial daquela empresa, considerando a região em que ela atua. Ou seja, ele mede a quantidade de pessoas negras naquela região, faz uma ponderação de nível de cargo e salário e compara com as pessoas negras daquela empresa. Ao descobrir que uma empresa X tem uma quantidade baixa de pessoas negras na sua organização, nesses três níveis de cargos, isso enseja ações afirmativas, incluindo oportunidades aos próprios jovens, futuras lideranças.

Parte deste trabalho com o índice é apoiado por empresas certificadoras que ajudam no Índice ESG de Equidade Racial. Mas em sua maioria são empresas não negras. Como fica essa questão?
O que estamos fazendo é contatar empresas do movimento negro para que elas possam preparar as empresas certificadoras para análise do ponto de vista racial. Temos curso de formação das homologadoras - que são organizações do movimento negro responsáveis por preparar as certificadoras. Dentro desse processo de certificação há algumas regras. Inclusive a certificadora precisa ter profissionais negros trabalhando nesta certificação. O nosso papel como Pacto é esse: preparar empresas que não são negras e aprovar as certificadoras. Quem aprova as certificadoras somos nós. O Pacto aqui tem um papel fundamental.

Quais são alguns dos problemas estruturais que o Pacto propõe mitigar?
As comunidades carentes e menos favorecidas são, em sua maioria, compostas por pessoas negras que têm pouco acesso a educação pública de qualidade. Esses jovens não conseguem ter acesso a boas faculdades, ensino superior e bons empregos. Sabemos que o investimento em educação pública é estrutural, mas também é estratégico. É necessário mais investimentos na questão da formação técnica. Temos que investir em jovens negros. A afirmação de que não têm jovens para entrar nas empresas, só consegue ser resolvida com formação técnica. E para mudar a agenda de CEOs negros, que é um problema de diversidade nas lideranças hoje, precisamos também de empreendedorismo negro. O caminho é educação pública, formação técnica e empreendedorismo negro.

E qual tem sido a receptividade dessas empresas e dos investidores? Eles têm procurado o Pacto ou ainda estamos longe do ideal?
Estou positivamente impressionado com a receptividade das empresas. Mas cabe a todos nós entender que elas querem fazer isso de forma estratégica e mensurável. Há uma dificuldade no mercado hoje de não conseguir mensurar as ações para o combate à desigualdade racial. Por isso, a importância do índice. Ao aplicá-lo, de modo facilmente calculável e mensurável, ocorre apoio à empresa para avançar nas ações afirmativas e, assim, a conversa entre investidores é extremamente objetiva. Fica mais fácil responder: a quantidade de negros na empresa está próxima à equidade racial naquela região? Que ações afirmativas ela precisa fazer para mudar esse cenário e o quanto de investimento social privado ela precisa aplicar para mudar a agenda no longo prazo? Não basta se comprometer com a pauta de equidade racial, tem que haver transparência.

Levando em conta esse critério de transparência, como você acha que a adesão ao Pacto melhora a governança das organizações?
O Pacto fomenta um compromisso sério e consistente. Essas empresas certificadoras vão gerar um relatório que, além de mostrar uma parte demográfica que é o índice ESG, vai revelar as ações afirmativas e o quanto investimento social privado foi implementado. Isso precisa ser divulgado uma vez por ano, regularmente. Hoje, a empresa que aderir ao Pacto tem até 2 anos para se preparar para divulgar as informações. Mas se a partir do 24º mês a empresa não divulgar como trabalha a questão da diversidade racial, ela não poderá mais manter a adesão ao pacto, porque prezamos pela transparência. O custo para as empresas é zero, então, nós queremos das empresas o compromisso e damos tempo para isso. Por que a empresa não consegue divulgar o quão diverso é o seu quadro de funcionários? Qual é o problema exatamente? As empresas sabem que essa pauta é mais trabalhosa. Demanda formação de pessoas, formação técnica, demanda uma série de ações.

O Pacto também criou recentemente o Índice ESG de Equidade Racial Setorial. A metodologia foi desenvolvida para estabelecer um parâmetro para cada segmento da economia nacional e servir como referência para as empresas que desejam combater a desigualdade racial. Para saber mais, acesse aqui.