"Para haver inclusão, é preciso intencionalidade"

Mônica Marcondes, que integra a 8ª turma do PDeC, aponta que inovação é acreditar que todos temos o que agregar à sociedade

  • 10/06/2024
  • Angelina Martins
  • Bate-papo

A 8ª edição do Programa Diversidade em Conselho (PDeC), iniciada no dia 18 de abril, na sede do instituto, teve a presença das 35 mulheres participantes, além dos mentores e mentoras que vão acompanhá-las em todo o processo.

As profissionais selecionadas para o PDeC têm experiência profissional e competências comportamentais relevantes para agregar valor a conselhos e comitês – e entre elas está Mônica Marcondes, executive IB no Banco Santander; membro dos conselhos da Plan International Brasil, Fundação Projeto Pescar, Pacto de Promoção da Equidade Racial e Instituto Adus; e membro do Women Corporate Directors (WCD). Confira:

Blog IBGC: Como mudar a realidade do mercado de trabalho para mulheres e negros em cargos de liderança, tornando as empresas mais inclusivas?
Mônica Marcondes: Essa pergunta está relacionada à mudança de cenário: existe um problema sistêmico e estruturado na nossa sociedade que precisamos enfrentar. Acredito que o PDeC, e outras iniciativas que vêm acontecendo, lançam luz para algo sistematicamente negligenciado e que hoje a gente consegue olhar com um pouco mais de critério, até porque hoje nos é dada uma chance de poder falar, criticar. É algo que, em um passado próximo, não era tão fácil – até porque, politicamente, tínhamos as nossas ideias cerceadas.

Programas, por si só, não mudam os ecossistemas cristalizados. A excelência envolve inovação, e aqui não é só falar em inteligências artificiais. Inovar é pensar diferente, imaginar que cada um tem o que agregar nesse processo de desenvolvimento da sociedade; e as empresas, que estão inseridas na sociedade, precisam urgentemente levar em consideração as características das pessoas que vivem nessa mesma sociedade.

E a luta é desconstruir em mulheres, negros, PCDs, pessoas LGBTQIAPN+ o pensamento de que não são capazes de ocupar esses espaços. Isso tem a ver com representatividade – quando você não se vê naquele lugar, ou não vê ninguém ocupando o exercício de determinado trabalho, acha que não pode estar ali. Neste sentido, tem sido disruptivo entender que não existe só um grupo de pessoas aptas; há outras também qualificadas a ajudar na tomada de decisão.

Qual a sua expectativa em relação ao PDeC, e o significado em sua trajetória profissional?
O PDeC foi uma das alternativas de me inserir num grupo de pessoas que pensam ou têm a mesma expectativa que eu em relação aos conselhos. Tinha cursado a 114ª turma do Conselheiros de Administração, e esta foi a terceira vez que me inscrevi no PDeC. Cheguei a pensar em não me inscrever novamente, mas era algo que eu queria, tinha que tentar.

Fiquei muito contente em ter sido selecionada, e em encontrar pessoas com vivências e origens diferentes. Daí a riqueza do programa, que reside primeiro nas trocas entre as pessoas, e segundo, no volume e no repertório que nos têm sido passados. São pessoas com objetivos semelhantes, e que de alguma maneira querem revolucionar através desses novos olhares para as empresas.Não é uma trajetória só para aumentar hard skills: é disruptivo unir forças e, de alguma maneira, ensinar que há valor nas pessoas que historicamente não foram visibilizadas.

Você acredita que programas como o PDeC e o WCD representam caminhos para a inclusão de mulheres em cargos de liderança?
A representatividade é um aspecto que temos que abordar com transparência, porque querendo ou não, de que mulher a gente tá falando? Não se consegue ainda trazer para esse espectro as mulheres trans, indígenas e negras. Ainda há uma proporção muito menor do que é a nossa representatividade na sociedade brasileira.

Estamos fazendo e aprendendo, e esse é o ponto e o impacto que se deseja na sociedade, que está diretamente relacionado com a intenção real de querer mudar o nosso ecossistema. Acredito que o objetivo dessas instituições é esse: mudar e causar um impacto positivo, mas isso é um processo.

E falando do que me é caro, quando se participa de um grupo em que se é minoria e não se sente pertencente a ele, a tendência é sair daquele lugar, porque é opressor por si só. Então, é preciso ter o olhar para a sensação de pertencimento. É mandatório fazer com que as pessoas se sintam parte do todo, e tão engajadas quanto a maioria que está hoje ali trabalhando. Assim, agrega-se efetivamente o valor.

Como você define a sua trajetória profissional que, infelizmente, é atípica para uma mulher negra – ao considerarmos questões de gênero e raça que prevalecem no mercado?
É interessante, porque quando falo da minha vida, tenho que fazer recortes não necessariamente interessantes. São questões que, infelizmente, acabo me recordando quando vejo, por exemplo, crianças que não querem estar nos lugares em que não se sentem pertencentes. O racismo é algo que nos atravessa desde muito pequenos, eu sei o que é ser negra desde muito cedo.

Então, para mim, é um objetivo fazer com que outras pessoas façam por onde para chegar em espaços nos quais elas não se imaginam. É alçar pessoas negras sem romantizar o caminho – saber que ele é duro em todas as fases e processos. Ter duas faculdades e um mestrado não me blindam, porque tenho a real noção de que a minha cor chega antes de qualquer outra coisa. E neste sentido, o que me fez tocar em frente foi a vontade de ocupar um lugar que tinha condição de ocupar, e acreditar que dependia de mim – e isso não me torna heroína, porque todos temos as nossas vulnerabilidades. Foram vários recomeços que fizeram de mim uma pessoa que entende o jogo, e que aos poucos vai ganhando espaço.

Quando olho em retrospectiva, acredito que as pessoas do passado que represento tiveram que fazer muito mais do que eu. Então, não é mais que a minha obrigação estudar e tentar entregar o máximo que posso e desejar que o caminho seja mais pavimentado para que outros possam ter o valor que realmente possuem, e não serem tratados como “outliers” no processo de inclusão em determinados grupos. Creio que ainda estamos na corrida para não sermos tratados como excepcionais, e também de mostrar às pessoas que elas não são excepcionais por estarem no topo – elas estão, apenas, usufruindo de algum privilégio que lhes foi dado.

Eu acredito que o conhecimento tem me libertado e me levado a lugares que nunca imaginei estar, e é bacana saber que, de alguma maneira, posso inspirar outros a conseguir chegar aonde quiserem. E o que a gente precisa, quando chega nesses lugares, é primeiramente pertencer; e em segundo lugar, sermos respeitados, desconstruindo a narrativa eurocentrada de que uns são melhores do que os outros.

Além do respeito à dignidade humana, criar mecanismos para a inclusão da diversidade em cargos da alta gestão é essencial para a perenidade das empresas?
Para haver inclusão, é preciso intencionalidade, e honestidade nas relações e propósitos que são estabelecidos em cada organização. A empresa faz porque quer desmistificar algo que foi cristalizado ao longo do tempo, ou quer apenas um chamariz para investidores dizendo que pratica a diversidade? Eu sinto muita colaboração e irmandade entre pessoas que ocupam lugares de liderança e pertencem ao mesmo status quo, diferentemente de uma mulher, uma pessoa negra, um PcD nessas posições – que tendem ao isolamento, se não houver espaço para voz, para acolhida, e é isso traz o sentido de pertencimento.

Independente de quem esteja do outro lado, é preciso pensar que estão ali por um bem, que transpassa o gênero, a raça; é para o bem de uma empresa. É você querer que tudo esteja bem para que os negócios possam ir bem, e assim se criar um círculo virtuoso com esse processo. Por esse motivo, é necessário um conselho coeso e pessoas de liderança sendo ouvidas e encorajadas a agir.

*Foto: Ricardo Bakker

Confira as últimas notícias do Blog IBGC