Mudanças climáticas e sustentabilidade são pautas cada vez mais presentes no mercado de capitais. A CVM estabeleceu, há pouco mais de um ano, uma política de finanças sustentáveis. E para abordar essa temática no âmbito do mercado de capitais o Blog IBGC convidou para uma entrevista Ana Luci Grizzi, coordenadora da Comissão de Sustentabilidade do IBGC, que atua na área há mais de 20 anos.
Para a profissional, “estratégias de negócios devem abranger a variável socioambiental para garantir operações de longo prazo e valor para os acionistas, além de garantir a conformidade ambiental, reduzir os riscos ambientais e proporcionar ao negócio enormes resultados sustentáveis. oportunidades de inovação”.
Blog IBGC: O que é governança ambiental e como iniciar o seu processo de implantação em uma empresa?
Ana Luci Grizzi: Governança ambiental é uma construção semântica que usa a governança corporativa como base para trazer os temas de sustentabilidade para o centro de tomada de decisões estratégicas dos negócios visando geração de valor no longo prazo. Ela representa o conjunto de princípios e regras ambientais que passam a fazer parte e redefinem a estrutura do sistema de tomada de decisão e da sua respectiva supervisão.
Por variável ambiental, podemos nos referir tanto ao capital natural (água, ar, solo, flora e fauna – biodiversidade e serviços ecossistêmicos) como às externalidades negativas dos negócios (resíduos sólidos, efluentes industriais, esgoto sanitário, desflorestamento, contaminações, emissões de ruídos e emissões atmosféricas, inclusive de gases de efeito estufa).
O primeiro passo para implantar a governança ambiental é entender os temas ambientais materiais ao negócio, preferivelmente por meio do exercício da dupla materialidade – de impacto e financeira, identificando impactos e oportunidades ambientais do negócio no meio e impactos e oportunidades do meio no negócio. Esse exercício leva em conta tanto a perspectiva do investidor como dos stakeholders em geral.
Após identificar os temas materiais, os passos seguintes usualmente recomendados são: incorporação de temas materiais no sistema de gerenciamento de risco corporativo e no planejamento estratégico do negócio, atualização do sistema de governança, reavaliando políticas, cargos e metas de remuneração, papel do negócio em sua cadeia de valor, atualização da forma e conteúdo dos dados divulgados a mercado, prezando por sua integração, clareza, consistência, comparabilidade e confiabilidade, além de eventual adoção de planos de ação com metas voluntárias embasadas em seus temas materiais.
Qual o papel do conselho de administração nesse processo?
O papel do conselho de administração é crucial para a implantação da governança ambiental. É ele que dará o “tom do topo” para que os executivos efetivamente incorporem a variável ambiental ao negócio, no viés de risco e de oportunidade.
Sendo o conselho o guardião da estratégia que visa geração de valor no longo prazo para os investidores, ele deve atualizar as diretrizes do negócio incorporando a variável ambiental para trazer o médio e longo prazo para a mesa de decisões, ao mesmo tempo em que o curto prazo permanece como relevante para a saúde financeira do negócio. Não é uma equação de subtração, é uma equação de soma, em que eu continuo mirando no retorno financeiro, mas eu qualifico meu processo decisório ao também trazer os temas materiais ambientais para a tomada de decisão.
A prática nos mostra que sem o tom do topo do conselho de administração para a implantação da governança ambiental, dificilmente temos resultados efetivos. O ponto interessante é que ao dar o tom para trazer a governança ambiental para o negócio, o conselho não apenas contribui para a geração de valor no longo prazo, mas também cumpre seu dever fiduciário.
Como a implantação dos novos padrões IFRS apresenta ganho para o sucesso das empresas?
Informações ambientais, incluindo climáticas, que sejam claras, consistentes, comparáveis e comparáveis são a grande demanda do mercado. Os novos padrões do IFRS nos ajudarão a garantir exatamente isso. Os novos relatórios – S1 e S2, mandatórios para empresas de capital aberto a partir de 2027 (data base 2026), trarão, sob a perspectiva da materialidade financeira, dados de sustentabilidade e clima de interesse dos investidores.
Isso significa que, ao menos na perspectiva financeira, riscos e oportunidades ambientais e climáticas dos negócios serão dados públicos, sujeitos a escrutínio, exame e comparação, informando e enriquecendo a tomada de decisão de alocação de capital.
Sendo o reporte de dados a última fase da governança ambiental, uma vez que os relatórios S1 e S2 estejam disponíveis ao mercado, é possível que presenciemos uma reprecificação significativa de ativos. Por isso, é tão importante que o conselho de administração tome as rédeas e dê o tom do topo para atualizar a gestão do negócio via incorporação da variável ambiental.
Qual a importância do compliance na questão ambiental?
Assim como em qualquer outra área, compliance é absolutamente essencial quando se trata da variável ambiental. O compliance é o passo que deve anteceder a implementação da governança ambiental.
Cumprir normas ambientais em vigor é obrigação. Descumpri-las significa operar em desconformidade, ou sendo mais clara, ilegalmente. De nada adianta um plano de ação climática com meta voluntária, se o negócio descumpre as condicionantes da sua licença ambiental de operação, por operação.