A inação das empresas na cooperação global não é aceitável

Carlo Pereira, do Pacto Global da ONU, fala sobre comportamento entre organizações para enfrentar crises coletivas. Artigo é o primeiro da série sobre riscos globais

  • 05/04/2022
  • Carlo Pereira, diretor-executivo do Pacto Global ONU
  • Artigo

Desde a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional não enfrentava um teste tão monumental quanto as crises entrelaçadas da COVID-19 e da mudança do clima. Em ato divino de soltura de todos os cavaleiros do apocalipse, soma-se a essas crises a maior guerra desde meados do século XX.

No entanto, precisamente quando a ação coletiva global é mais necessária experimentamos erosão social em numerosos Estados, clara falta de lideranças políticas e empresariais, fricção entre democracias e autocracias e, ainda, crise conflagrada de confiança intergeracional. A governança global estabelecida no pós-guerra levou a uma relativa tranquilidade no mundo e possibilitou a globalização na década de 1990, com o surgimento das cadeias globais de valores, que correspondem a 80% de todo o comércio mundial. Esse processo, liderado pelas empresas, trouxe ganhos inegáveis para a humanidade, evidenciado com combate à pobreza em todas as suas dimensões.

Entre 1990 e 2018, mais de um 1,3 bilhão de pessoas deixaram a pobreza extrema, 36% da totalidade do planeta viviam com apenas 1,9 dólar por dia em 1990. Já em 2018 o percentual de pessoas nessa condição de extrema escassez caiu para 8,5%. Enquanto houver uma única pessoa em tal condição degradante, será inaceitável. No entanto, mostramos que somos capazes de enfrentarmos as grandes mazelas da humanidade quando agimos sob uma agenda comum.

Concomitantemente, a interdependência dos mercados globais veio com muitas externalidades negativas. Segundo a WWF, “os tamanhos das populações de mamíferos, aves, peixes, anfíbios e répteis viram uma queda média alarmante de 68% desde 1970”. A escassez hídrica no globo aumentou de 14% da população em 1900, para 58% em 2000. E a previsão é que chegue a 66% da população até 2025. A emergência climática deixou de ser uma projeção para impor o seu efeito devastador em todas as regiões do globo.

Apesar dos efeitos ambíguos do estabelecimento de uma rede de interdependência entre os países, empresas e pessoas, podemos reconhecer vários acertos recentes necessários na cooperação global, como a Agenda 2030 e o Acordo de Paris. A rápida resposta da comunidade internacional à crise da Ucrânia também é notável. Além de uma concertação de países por meio da Otan e da ONU, cuja raríssima assembleia geral extraordinária foi convocada, as empresas também vieram à frente se posicionando e agindo no intuito de serem mais um ponto de pressão contra a Rússia e no apoio na ajuda humanitária.

Empresas de diferentes setores: petróleo, cartão de crédito, entretenimento, transporte marítimos são alguns exemplos dos que pressionaram pela paz de maneira quase imediata. Sem mencionar organizações da sociedade civil que são essenciais na denúncia de abusos e na atuação humanitária. Isso demonstra que, apesar de solavancos, a cooperação internacional está ativa e ágil.

Por ocasião do seu 75º aniversário, o secretário geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, anunciou a “Nossa Agenda Comum”. Nela, sugere que a humanidade enfrenta uma escolha dura e urgente: colapso ou avanço (breakdown or breakthrough). As escolhas que fazemos – ou deixamos de fazer – hoje podem resultar em mais colapso e um futuro de crises perpétuas, ou um avanço para um futuro melhor, mais sustentável e pacífico para nosso povo e planeta.

O melhor caminho demanda a reinvenção da governança global. Em artigo conjunto, chefes de Estado da África do Sul, Costa Rica, Espanha, Nova Zelândia, Senegal e Suécia, clamam por um compromisso renovado da cooperação internacional. Afirmam que “as organizações multilaterais devem ter os meios e o mandato para fazerem a diferença no terreno.

A cooperação entre a ONU, organizações regionais e instituições financeiras internacionais deve melhorar tanto no nível político quanto no operacional. O sistema multilateral precisa ser mais aberto e inclusivo para dar aos jovens, sociedade civil, setor privado, academia e outros um lugar na mesa”. Essa também é a expectativa das pessoas ao redor do mundo.

Em 2021, a ONU escutou mais de um milhão de pessoas e encontrou uma enorme similaridade nas demandas. A população quer mais acesso à saúde, saneamento e educação. Além disso, também querem maior solidariedade entre as nações. No topo da lista das preocupações de longo prazo está a crise conjunta da emergência climática e da perda de biodiversidade.

Para endereçar essas questões, 90% dessas pessoas entendem que a cooperação global é fundamental. Recentemente, o fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, propôs uma governança global 4.0. Ressaltou 3 principais características, sendo elas: substituir a gestão de crises de curto prazo por um pensamento estratégico de longo prazo, reconhecer a alta interconectividade do mundo dando espaço a todos os stakeholders e eliminar o interesse por resultados financeiros de curto prazo em detrimento da natureza e sociedade.

Nesse mesmo sentido, o secretário geral das Nações Unidas foi categórico ao afirmar que: “em um momento de desafios globais complexos e completos, o multilateralismo robusto e a cooperação internacional são mais importantes do que nunca. A verdade é que os Estados-nação sozinhos não podem antecipar, prevenir, mitigar e adaptar-se aos problemas mais intratáveis ​​do mundo. Precisamos de um envolvimento mais concertado de empresas, grupos filantrópicos, organizações não governamentais, universidades, sindicatos, minorias, ativistas e outros”.

Líderes empresariais me procuram sempre com as mesmas indagações: o que está acontecendo, como devo me posicionar e como devo agir? Não acreditem em respostas simples, pois as peças estão se movendo no tabuleiro da cooperação global. Reconheçam que tocar um negócio hoje é muito mais complexo que no passado. Se coloquem francamente ao diálogo, entendam seu impacto e relevância. E ajam. Se integridade, transparência e inclusão são valores pessoais e institucionais verdadeiros, os erros serão tolerados e o impacto dos acertos será potencializado. 

O que me parece claro é que o inaceitável é a inação.

Sobre o autor:  Carlo Pereira é diretor-executivo do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil

Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.

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