Com três gerações envolvidas na gestão, empresas precisam montar estrutura para profissionalizar o processo de mudança de comando
Longevidade da chamada geração baby-boomers, plena atividade da geração X e a inserção no mercado de trabalho dos millennials. Este é o cenário etnográfico atual dentro das corporações familiares e o responsável por trazer um novo desafio: promover a sucessão de forma a garantir a perenidade do negócio e da cultura construída e, ao mesmo tempo, preservar os interesses dos familiares.
O sucesso na passagem de bastão dos CEOs em empresas familiares depende da conciliação das expectativas entre sucessores e sucedidos. Foi isso que defenderam os participantes do Fórum de Debates realizado pelo Capítulo Santa Catarina do IBGC, na terça-feira (25/08). Com o tema “Empresas Familiares: (des) caminhos para a sucessão na gestão dos negócios”, a conversa trouxe à tona as nuances do processo.
De acordo com a publicação Sucessão em Empresas Familiares, lançada recentemente pelo IBGC, para as empresas familiares continuarem competitivas, os espaços de liderança e sucessão precisam ser construídos tendo como base a diferença entre a expectativa de quem está saindo e a de quem está chegando. E à luz dos conflitos geracionais, a governança corporativa serve de alicerce para temperar o processo sucessório e não deixar a estratégia do negócio desandar.
“Vivemos um momento muito instigante: três gerações se encontram simultaneamente dentro do negócio. Temos, em um extremo, a longevidade da geração dos fundadores e, na outra ponta, uma nova visão de mundo e a falta de apego ao que foi sucesso no passado da terceira geração”, lembrou Luis Lobão, conselheiro de administração, professor e consultor em governança e estratégias de crescimento. No meio, está a geração intermediária, que assume o papel de fazer a transição da geração que construiu a empresa
Durante o debate, a moderadora Léia Wessling, coordenadora do Capítulo Santa Catarina do IBGC, do Grupo de Mulheres e sócia diretora da Light Source, lembrou que 72% das empresas familiares no Brasil não têm um plano de sucessão para os cargos-chave. Segundo ela, o dado é de uma pesquisa realizada pelo IBGC em 2019.
“Com o distanciamento da terceira geração dos negócios e um ambiente dinâmico de tecnologia, como manter essa nova geração integrada e engajada em negócios tradicionais?”, provocou Léia.
Sucessão na prática
Na história da Farben, empresa de tintas do estado de Santa Catarina, a sucessão está sendo construída de modo a estimular a terceira geração de sucessores da empresa. “Ainda não concluímos o processo de sucessão porque ele será feito com muito diálogo. Entre os netos do meu pai, fundador da empresa, a faixa etária vai de sete a 25 anos. A união da família é a base para não atropelar o processo sucessório e, sim, abrir o caminho para a terceira geração” contou o CEO Edmilson Zanatta.
Para Zanatta, é preciso, antes de tudo, saber se há interesse dos membros da família em participar da gestão da empresa. Depois, engajá-los. Para promover a integração, são feitas desde visitas para mostrar como funciona a empresa até reuniões dos membros da família de acionistas. “Mas essas reuniões não são apenas para divulgar números e resultados. De forma lúdica, jovens e crianças da família ouvem histórias de como os avós fundadores se conheceram, como ergueram o primeiro negócio, entre outras”, acrescentou.
E quando a empresa não identifica um sucessor na família? Neste caso, pode ser gerada a necessidade de buscar um gestor externo. No entanto, a transição do modelo de gestão familiar mais tradicional para um modelo mais flexível às competências de um executivo vindo do mercado não quer dizer romper com os valores da organização.
Foi o caso da Multilog, que escolheu como CEO Djalma Vilella, rompendo com o ciclo de sucessão entre membros da família. Vilella chegou à Multilog em 2013, para ocupar o cargo de diretor executivo e, em 2017, assumiu a presidência. No processo seletivo para CEO, procurava-se um profissional com experiência no setor, mas também próximo aos valores da empresa.
"Um gestor com uma visão de fora traz transformação. É preciso atuar na transformação causando o menor impacto possível. Trazer visão de futuro, mas sem perder os valores e a identidade da companhia. E, apesar de não ser acionista, o sucessor que vem de fora deve pensar como um”, explicou Vilela que, além de CEO da Multilog, é vice-presidente da ABEPRA e conselheiro da ABOL.
A chegada de Vilella à empresa estava alinhada com o processo de profissionalização da companhia. Fundada em 1996, a partir de 2016 o amadurecimento dos processos de governança corporativa deram suporte para sustentar ainda mais o crescimento do negócio. "A empresa leva a sério seu modelo de gestão estratégica e de pessoas. Governança corporativa na Multilog não é apenas um quadro na parede", garante Vilella
Sucessor e sucedido: é preciso pensar em ambos
Os palestrantes também ressaltaram a importância de desenvolver um tipo diferente de sucessor, baseado numa capacitação para uma gestão bem mais estratégica do que uma gestão operacional. Para o conselheiro de administração, professor e consultor em governança e estratégias de crescimento Luis Lobão, não basta preparar o sucessor para cuidar do dia a dia administrativo. E, sim, para garantir a governança na prática, o que vai manter a empresa competitiva.
Também é preciso preparar quem vai ser sucedido, para a transição acontecer no momento no qual quem entra e quem sai estejam prontos. “Um dos erros mais comuns é tentar ‘clonar’ o fundador para a sucessão. A primeira coisa que se pensa é preparar o sucessor no modelo do que foi o fundador”, alertou Lobão.
Mas, de acordo com o conselheiro de administração, o sucessor está pronto para assumir quando ele estiver preparado para ser um acionista. “É preciso preparar toda a família para uma jornada de sucessão construída numa estrutura de governança. A sucessão não deve ser encarada como um evento, e sim como um processo”, disse Lobão.
Como convencer uma empresa da necessidade de um processo sucessório? Este é um dos maiores desafios para as empresas familiares. Luís Lobão lembrou a experiência de Portugal, cuja a federação das empresas do país estabeleceu um processo de governança para empresas familiares. Segundo ele, as famílias empresárias portuguesas que se prepararam para a sucessão não só aumentaram seu valor de mercado como também adotam modelos de remuneração extremamente competitivos.
Governança na prática e integração de todas as gerações da família para engajamento do negócio foram os fios condutores do evento. E, já nas considerações finais, os convidados lembraram ainda que este ano, principalmente em função da pandemia, os brasileiros provaram que têm uma flexibilidade fantástica em seus modos de administrar.
A transparência deve prevalecer e, como lembrou Léia, o que fica do evento é: as empresas devem reconhecer a finitude de seus gestores e desenvolver a capacidade de construir um legado para as gerações futuras da família.
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