O que é sustentabilidade empresarial? Pode-se dizer que são práticas sustentáveis que visem crescimento com menos impactos ambientais, estruturando-se processos internos e práticas sustentáveis na organização.
Para detalhar este tema, desdobrando-o em ética, gestão multistakeholder, propósito, riscos e oportunidades, o Blog convidou o conselheiro Ricardo Young, instrutor em cursos do IBGC, e membro do programa Comunidade Sustentabilidade e Clima, vinculado ao Chapter Zero Brazil, capítulo brasileiro da Climate Governance Initiative (CGI). Ricardo é sócio da consultoria Culture, Transitions & Integrity (CT&I), especializada em desenvolver estratégias de ESG, sustentabilidade e arquitetura organizacional.
Blog IBGC: O que é sustentabilidade empresarial? Podemos dizer que ela engloba ética e integridade?
Ricardo Young: O termo refere-se a uma abordagem de negócios que visa eliminar completamente as externalidades negativas produzidas através de suas atividades. Essa eliminação pode ocorrer diretamente através de mudança nos processos produtivos, tecnologias mais eficientes, mudança no uso de recursos etc. E também dentro de um contexto circular, onde as externalidades geradas são processadas em uma fase posterior da produção através de parceiros/clientes de forma que o impacto do ecossistema criado por todos estes agentes de circularidade seja neutro. Hoje, existem formas de compensação destas externalidades através do mercado, como por exemplo o de carbono, mas que devem ser vistas como transitórias enquanto processos mais eficientes são implantados.
O conceito de externalidades negativas e geração de valor para as partes relacionadas deve ser adotado no seu sentido amplo: social, ambiental e econômico, da porta para dentro e da porta para fora. Isto é, políticas de inclusão, diversidade, ambiente de trabalho, políticas de bônus e salários assim como impacto no entorno da organização, política de resíduos sólidos, uso de recursos, redução de emissões etc..
A sustentabilidade empresarial exige visão sistêmica, pois a empresa deve avaliar continuamente a qualidade de suas relações com todas as partes interessadas e a qualidade dessas interações. A transparência e a confiança são essenciais nesse processo pois relações de qualidade são àquelas que persistem mesmo quando ocorrem mudança nas circunstâncias ou erro das partes, conferindo resiliência e longevidade ao relacionamento.
Uma empresa ética em suas relações tende a reduzir seus custos de transação, sejam eles jurídicos ou relacionados à refação, reprocessamento e negociações. Portanto, ao cultivar um relacionamento baseado na confiança com suas partes interessadas, a empresa demonstra um comportamento ético e íntegro. Assim, podemos afirmar que a eficácia da sustentabilidade empresarial está diretamente ligada à seus valores, a ética, a capacidade de gerar confiança e integridade nas relações com todas as partes envolvidas. Não é por outra razão que na 6a edição do Manual de Boas Práticas do IBGC, a ética é considerada como primeiro fundamento da governança corporativa.
Em falas em eventos no IBGC você ressalta que, em se tratando de ESG, se faz necessário que gestores pensem sistemicamente. Pode detalhar essa afirmação?
Com o conceito de gestão multistakeholder, é imprescindível analisar o impacto das atividades empresariais em todas as partes interessadas. Essa análise requer uma abordagem multidimensional, pois abrange dimensões sociais, ambientais e de negócios, exigindo múltiplos saberes. Assim, a gestão sustentável se caracteriza como multidisciplinar e transversal.
Ao lidar com diversos conceitos e categorias de conhecimento na gestão multistakeholder, é necessário adotar um olhar sistêmico. No entanto, muitos gestores têm sido condicionados a focar apenas nos resultados financeiros das organizações, ignorando impactos negativos e positivos mais subjetivos e aparentemente menos materiais. Atualmente, gerir uma empresa implica gerenciar um ecossistema e a dinâmica desta rede a partir das partes relacionadas.
A produção de resultados deve levar em conta os impactos sobre cada parte envolvida. A dificuldade do pensamento sistêmico reside no fato de que não fomos treinados para isso; nosso pensamento tende a ser linear e muitas organizações operam de forma até monocórdica devido à natureza da atividade que realizam. Portanto, implementar uma gestão socioambiental eficaz requer a expansão das habilidades cognitivas e do pensamento crítico dos gestores. Quanto mais sistêmica for essa abordagem entre conselheiros e líderes organizacionais, mais fácil será compreender o que constitui uma gestão estratégica sustentável (ESG).
Essa realidade se impõe de tal maneira que o advento dos Inner Development Goals (IDGs), iniciativa de algumas organizações como a 29k Foundation (uma plataforma de desenvolvimento pessoal), a consultoria Ekskäret e a Universidade de Estolcolmo, entre outras, reposiciona de forma profunda o conjunto de habilidades requeridas por lideranças estratégicas para, entre outros desafios, lidar com a complexidade estratégica implicada nas ODS, considerada a referência global em sustentabilidade.
Qual a importância do propósito quando falamos de ESG nas organizações?
Ao considerar uma empresa como o núcleo de um ecossistema de negócios, é fundamental que essa organização possua elementos atrativos essenciais para manter o equilíbrio desse ecossistema. Isso implica em cultivar relacionamentos leais, contínuos e responsáveis com fornecedores, clientes, colaboradores e o meio ambiente. Assim, quanto mais clara for a estratégia da organização e mais definido for seu propósito, melhores serão as condições para estabelecer um sistema de valores que orienta as relações com todas as partes interessadas.
O propósito pode ser considerado o elemento unificador de uma organização. Quando este é forte e claro, a marca tende a ser mais resiliente, conquistando a confiança do mercado e possibilitando não apenas boas oportunidades de negócio, mas também a redução dos custos transacionais. Em situações onde a liderança precisa tomar decisões críticas, é essencial dispor de referências e valores bem definidos para fundamentar essas escolhas. É através do propósito que esses valores ganham significado.
Tradicionalmente, uma organização realiza um exercício de planejamento estratégico ao definir seu propósito e discutir os objetivos necessários para sua concretização. É nesse processo que emergem os valores implicados que passam a orientar as estratégias adotadas. Portanto, a inter-relação entre propósito, valores éticos e cultura organizacional determina a qualidade do compliance dentro da organização.
Enquanto instrutor do IBGC, quais são as suas percepções sobre as lacunas dos alunos relacionados ao tema da sustentabilidade?
Diria que elas são essencialmente duas. A dificuldade de fazer análises sistêmicas e a relação causal entre diversos aspectos de uma gestão multistakeholder. A segunda lacuna está relacionada à primeira, que é a dificuldade de penetrar na interdisciplinaridade que uma gestão multistakeholder exige. Estamos falando de múltiplas dimensões do conhecimento.
O próprio pensamento sistêmico implica na aquisição de outros níveis de cognição e outros níveis de pensamento crítico. Ao mesmo tempo, o pensamento crítico pressupõe capacidade de análise, capacidade de comparação e capacidade de discernimento entre diversos temas diferentes. Sinto que os alunos têm um certo estranhamento em relação ao exercício do pensamento sistêmico e à necessidade de se atualizar em temas com os quais normalmente as lideranças empresariais não têm familiaridade, como política, sociologia, psicologia, saúde e bem-estar, economia circular entre outros.
A questão da desigualdade, por exemplo, implica numa compreensão político-social dos vetores da desigualdade. Questões como diversidade, aquecimento global e mudanças climáticas envolvem saberes que eram estranhos ao dia a dia das organizações. Sem esses conhecimentos, as lideranças enfrentam grandes dificuldades para implementar uma gestão sustentável.
Outro aspecto importante da gestão sustentável são as novas ferramentas de gerenciamento. Isso inclui tanto os indicadores que mensuram os valores ou externalidades produzidas pela empresa em relação aos seus diversos públicos quanto questões ligadas aos conceitos de materialidade, ativos intangíveis e passivos ocultos que surgem no processo. Também existe uma certa dificuldade com o conhecimento da legislação relacionada à sustentabilidade e à gestão multistakeholder.
Acredito que as escolas de negócio precisarão fazer uma mudança profunda em seus currículos se quiserem formar gestores ou lideranças impactantes com competências para lidar com mudanças quase contínuas na realidade atual. Embora muitas dessas abordagens sejam oferecidas nas pós-graduações, elas ainda não estão suficientemente presentes na graduação. Essa carência se faz sentir mais tarde, quando essas lideranças atingem um certo nível de maturidade e começam a perceber o quanto essas deficiências podem comprometer suas carreiras.
Como os conselhos de administração podem conferir esforços em relação aos riscos e oportunidades relacionadas à mudança do clima?
Um dos grandes problemas dos conselhos de administração é que eles são muito focados em resultados de curto prazo. Se esse conselho for composto majoritariamente por conselheiros que vêm do mercado financeiro e são especialistas em finanças, essa tendência tende a se agravar. O ponto é que o resultado financeiro cada vez mais vem de uma gestão consciente e sistêmica de todos os desafios colocados pelo ESG. A gestão socioambiental, como tratamos aqui nessa entrevista até aqui, implica nesse olhar holístico amplo.
Portanto, o conselho de administração não deve se limitar apenas às suas reuniões ordinárias para tratar das questões colocadas pela gestão. Ele deve e pode pautar algumas questões temáticas que a empresa eventualmente tenha que lidar com. Assim, trazer especialistas de fora e promover uma espécie de encontro ou workshop onde os conselheiros terão oportunidade de trabalhar temas sensíveis são maneiras eficazes do conselho se inteirar mais dessas questões e trocar experiências com a própria gestão sobre como os temas ESG estão sendo trabalhados na organização.
Outro ponto importante é que todos os conselheiros façam uma imersão na própria organização. Isso inclui visitar o “chão de fábrica”, conhecer alguns dos fornecedores-chave estratégicos e falar com colaboradores em todos os níveis. Essa vivência permite aos conselheiros sentir o pulso da organização enquanto exercem suas funções dentro dos seus mandatos, mantendo a proximidade com toda a estrutura organizacional.
Na preparação das reuniões do conselho, é fundamental que o presidente tenha uma conversa cuidadosa com o CEO da empresa para garantir que a pauta seja distribuída corretamente. Com as mudanças climáticas, alta tecnologia e riscos associados a elas emergindo constantemente, evidentemente a matriz de risco da organização deve ser revisada cuidadosamente em cada reunião do conselho. É interessante também que esses novos riscos sejam objeto de discussões mais profundas.
A grande crítica feita aos conselhos é a superficialidade da sua abordagem nas reuniões. Isso não ocorre porque os conselheiros desejem ser superficiais; na verdade, as reuniões costumam ser curtas e precisam abordar vários temas ao mesmo tempo. Além disso, nem sempre os comitês assessores têm especialistas suficientes para suprir eventuais deficiências no conhecimento necessário ao conselho. Tempo e frequência das reuniões de conselho, tornaram-se chaves para a boa governança.
Por fim, as responsabilidades dos conselheiros se ampliaram significativamente nos últimos anos. Os mesmos desafios enfrentados pelas lideranças na gestão também recaem sobre eles enquanto membros do conselho administrativo. A visão sistêmica, multistakeholder transversal e interdisciplinar representa um desafio constante para esses profissionais atualmente.
Leia mais conteúdos do Blog IBGC, clicando
aqui.