“O assunto climático é uma questão de risco, não de idealismo”

Para Lina Pimentel, co-coordenadora do Chapter Zero Brazil, em debate do relatório IPCC à COP 26, transição energética é prioridade

  • 02/09/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

Mobilizar a alta gestão a abordar o desafio da mudança climática é o foco da rede global Chapter Zero, representada no Brasil pelo IBGC. Neste compromisso, que inclui o compartilhamento de experiências entre stakeholders, saltam temas que estão em evidência em divulgações recentes como no relatório “Mudanças climáticas 2021: a base das Ciências Físicas”, divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Ou ainda que se mostram potenciais a encontros futuros, como a 26ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, a COP 26, que reunirá líderes de 196 países em novembro de 2021, na Escócia.

Para falar sobre as atividades do Chapter Zero Brazil e sua convergência com essas iniciativas tão atuais, o Blog IBGC entrevistou Lina Pimentel, co-coordenadora do Chapter Zero no Brasil e sócia da prática de direito ambiental em mudanças climáticas do escritório Mattos Filho.  Lina falou sobre a estrutura da iniciativa global no país, sua relação com o panorama climático mundial e ainda destacou algumas questões que os boards devem fazer para garantir que o tema de mudanças climáticas seja abordado na prática pelas empresas. Confira a seguir a entrevista completa:

BLOG IBGC.O Chapter Zero constitui uma rede global de organizações independentes, que mobilizam a alta gestão a abordar o desafio da mudança climática em conselhos de administração. Poderia comentar um pouco da estrutura desta iniciativa aqui no Brasil?

Lina Pimentel: Quando ingressei no Chapter Zero Brazil, fiquei muito satisfeita em ver a governança estrutural da iniciativa. Já havia uma gestão dentro do IBGC, não só gerindo o programa, mas também desenvolvendo uma frente de pesquisa, de conteúdo e uma frente de cursos. Há o Fórum de Conselheiros onde podemos nos aproximar desses profissionais que são o alvo primário da nossa atuação. Outro pilar de apoio às atividades é o Comitê de Parceiros, composto por empresas com um caráter mais consultivo, ou seja, são empresas listadas que têm muitos desafios diários, como entender as expectativas de seus stakeholders, e que buscam no Chapter Zero, via IBGC, um parceiro nesta jornada para progredir. Estamos atrelados a uma iniciativa internacional e nessas questões climáticas é a primeira vez que o mundo está falando o mesmo idioma, olhando para a mesma direção. Além disso, o diferencial na vinda do Chapter Zero para o IBGC é a causa da governança. É a governança que determina com que arranjos as pessoas vão agir para fomentar a colaboração, suas instituições e seus investidores. A governança é o que faltava fazer a diferença nos critérios ESG. Foi uma escolha absolutamente perfeita e que bom que o IBGC está dando todo esse enfoque para ajudar.

Dada a relevância do tema de mudanças climáticas, quais são suas expectativas para realização das atividades?
Quanto mais organizados formos para fazer as coisas acontecerem, mais eficácia poderemos obter junto aos conselheiros e empresas listadas, sem falar no quanto podemos alcançar outras empresas que ficam sempre de olho no que o IBGC faz. O espectro de influência do Chapter Zero é tão grande quanto a nossa capacidade de executar os projetos, do ponto de vista de gestão e administração. Mas é necessário executar as demandas de forma paralela e de uma maneira rápida também, considerando a urgência que o tema de mudanças climáticas impõe.

Por falar em urgência, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o IPCC, lançou no último mês o relatório “Mudanças climáticas 2021: a base das Ciências Físicas” que fornece novas estimativas sobre as mudanças no clima em todas as regiões da Terra. Algumas chegam a ser irreversíveis. O que este documento significa neste momento?
Este relatório demorou anos para ser produzido e é basicamente uma fotografia técnica do que se tem de melhor conhecimento e confiabilidade de informação técnica a respeito de uma situação que vai influenciar a tomada de decisão de estados-membro, empresas, advogados, consultorias, governos locais e regionais, ou seja, todos os stakeholders. No fundo, já é bastante certo que as localidades não conseguem, individualmente, produzir contrapontos ao IPCC. Ele é parte fundamental, cujo desenvolvimento é marcado pelo trabalho de cientistas que revisam o trabalho de outros cientistas do mundo inteiro com uma classificação acadêmica muito alta para impor ali algumas certezas e outras quase certezas. Todos os melhores materiais relacionados à ciência do clima foram revisados e os cientistas responsáveis por revisar todos esses materiais são pessoas de todos os tipos e pensamentos, com perfis bem diferentes nesta composição, há inclusive uma rotatividade para que haja essa diversificação de perfis. Desta forma, esse relatório é com o que temos que trabalhar. As tomadas de decisões de políticas públicas, políticas corporativas e recomendações jurídicas passam pela visibilidade deste lastro técnico. E Direito Ambiental e mudanças climáticas tem que se pautar pelo lastro técnico.

Como você avalia as principais descobertas deste relatório?
Neste tema do clima, o IPCC traz uma concatenação de dados que leva a decisões quase que óbvias e aí está, por exemplo, a relação com iniciativas como o próprio Chapter Zero. O assunto climático é uma questão de risco, não é uma questão de idealismo. Existem estudos dizendo que só pode haver aumento de até 1,5°C na temperatura da Terra até 2050. E é esse cenário que está posto a todos com grau de confiabilidade altíssimo. Outra questão que o relatório trouxe é que esse aquecimento se deu pela atividade humana e isso é bom e ruim. Ruim, porque demoramos muito tempo a fazer algo contra isso. Já o bom, na minha visão, é que podemos viabilizar ações para impactar positivamente e minimizar os efeitos, ainda que reduzir pareça impossível. O que fizermos de positivo será crucial para evoluirmos nesta questão.

Como o relatório pode apoiar os conselheiros, entre outros tomadores de decisão, neste momento de início de uma nova década?
Os cenários que foram avaliados no relatório estão sendo canalizados para cada país. No Brasil, trabalha-se muito, por exemplo, com a questão costeira, já que somos um país continental e as costas sofreriam muito com enchentes, com rios descompensados, aumento de chuvas ou secas extremas. A partir do relatório, há possibilidade de se fazer ensaios muito certeiros. Por exemplo, uma empresa de saneamento passa a planejar como será sua infraestrutura e o que deverá mudar. Assim, há a chance de conseguir modelar de maneira mais concreta o futuro dessas empresas. Quando você projeta o futuro, estamos falando sobre perenidade do negócio e o gestor ou conselheiro tem que estar preparado para fazer as perguntas certas. Algumas delas como: há conhecimento sobre os impactos?; há ações para mitigar esses impactos?; a matriz de risco do negócio contempla esse risco?; os gestores executivos estão atentos a isso?; há vinculação de metas de remuneração a objetivos de longo prazo e climáticos?; a equipe técnica compreende a expertise climática? Então, o conselheiro e o corpo executivo têm que se posicionar para indagar sobre o tema. São eles que tem que garantir que essa vertente está sendo observada por suas empresas.

Com a COP-26 se aproximando e com a pauta da neutralidade em carbono sendo uma das mais viscerais do encontro, como as empresas vão fazer para atender à redução ou neutralização em carbono, seja a partir de determinações do governo brasileiro ou pelo ambiente internacional ao qual muitas multinacionais estão expostas?
Todas as empresas estão entendendo que elas precisam, no mínimo, se comprometer com a neutralização até 2050. Essa já era uma tônica das grandes empresas e de organizações que querem estar competindo com um mercado ESG. Com o relatório, passou a ser questionado se o compromisso com metas para o ano de 2050 será efetivo ou se não seria necessário antecipar para 2040. Já se esperava também que houvesse metas bem mais agressivas até 2030, ainda que a neutralização net-zero vá até 2050. Isso ficou mais evidente, porque as empresas estão entendendo que em 2030 é necessário ter uma sinalização bem poderosa sobre como vão fazer a transição energética, já que é muito necessário avaliar como elas usam energia. O Brasil ainda tem o benefício de contar com uma matriz energética renovável, mas ainda há uma matriz energética mista, com termoelétricas, por exemplo. Então, estão todos olhando para transporte, energia e desmatamento, muito atentas a como atender o controle de emissões. A preocupação agora para a COP 26 é como dar concretude a esses compromissos que todo mundo, genericamente, está aceitando. Além de se manter atento às ações judiciais e constrições de parceiros comerciais e investidores em relação a greenwashing.

Como acelerar isso no Brasil por meio da regulação?
O Brasil tem questões socioeconômicas muito diferentes do restante do mundo e por isso que a regulamentação aqui precisa de tempo, forma e incentivo. As regulamentações relacionadas a clima no país virão muito pelas obrigações de disclosure: por meio do Banco Central, CVM ou Ministério da Economia que podem sinalizar para as empresas e apontar o que precisa ser divulgado para os seus investidores e parceiros, como forma de responder: “o quê essas empresas estão fazendo a respeito do tema”. O processo de disclosure é interessante, porque uma vez que você fala, você se compromete, você quer melhorar, quer se envolver e com isso o processo vai caminhando. Muitas vezes, não tão rápido como deveria, mas talvez seja o que o Brasil consegue.

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