Lições da crise sanitária para o gerenciamento de riscos

Empresas estavam pouco preparadas para pandemia e medidas contundentes de isolamento social

  • 27/03/2020
  • Renan Perondi*
  • Bate-papo
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Alex Borges e Ronaldo Fragoso, sócios da Deloitte

A Covid-19 atingiu Estados, organizações e comunidades em todo o globo. O vírus encontrou a ordem econômica mundial desprevenida, e a maioria das organizações não estava prevendo medidas drásticas de isolamento social e seus impactos nos negócios e na sociedade. De acordo com a Pesquisa de Risco Global da EY 2020, 79% dos 500 membros de conselhos de administração e CEOs respondentes afirmaram que suas organizações não estão bem preparadas para lidar com uma crise desse porte.

Para discutir esse tema, Luciana Bacci, coordenadora da Comissão Gerenciamento de Riscos Corporativos do IBGC, conversou com Alex Borges, membro da Comissão de Gerenciamento de Riscos Corporativos, e Ronaldo Fragoso, membro da Comissão de Inovação do instituto, ambos sócios da Deloitte. Confira a entrevista completa a seguir:

Luciana Bacci: Em termos de gestão de riscos, pode-se dizer que essa pandemia não era um risco mapeado pela maioria das empresas. Qual o papel do conselho de administração diante da materialização de um risco nessa escala, o qual vai se aprofundando e ganhando novos contornos a cada dia?

Alex Borges: Em 2018, a Deloitte fez uma pesquisa sobre lições aprendidas durante a gestão de crises [Pesquisa Strong, Fitter, Better – Crisis Management for the resilient enterprise – Edição 2018]. Ela mostra que uma parte significativa das empresas disseram que estavam preparadas para uma resposta a crises relacionadas à saúde, mas que elas realizavam poucos exercícios de simulação para essa situação. A maioria delas fazia testes para ataques cibernéticos, falhas de sistemas, mudanças regulatórias, questões de ativismo social e político, desastres naturais, mas poucas focavam nas ameaças à saúde. Percebe-se que estavam totalmente despreparadas. Existe agora uma oportunidade para as empresas avançarem nesse processo. 

Ronaldo Fragoso: Ninguém dimensionou algo nessa dimensão e com esses impactos. Uma pandemia até estava em alguns relatórios internacionais que tratavam do assunto, mas poucas empresas desdobraram o tema. É o que chamamos de black swan (cisne negro), um evento de baixa probabilidade, mas com um alto impacto. Estamos vendo que o nível de preparo das organizações para essas situações é baixo. Essa experiência vai mostrar para os conselhos a importância de se montar cenários e que eventos como esses podem acontecer. Mostra também a importância do preparo dos conselheiros para lidar com planos de contingência e comitês de crise para enfrentar essas condições. As pessoas reclamam da simulação de incêndio, mas ela é vital para saber o que fazer nessas situações. Esse é o contexto que vamos vivenciar no pós-crise, os conselhos vão querer entender como é que estamos acompanhando esses riscos, quais são os cenários e como podemos treinar para eles.

Luciana Bacci: Como as empresas podem se preparar para os próximos black swans? 

Alex Borges: As empresas precisam refletir sobre o seu atual processo de gestão de riscos empresariais alinhado ao processo de gerenciamento de crises e o respectivo nível de supervisão ou governança independente desses processos. Esse são instrumentos que podem auxiliar na consecução da estratégia e no rápido direcionamento de ações, visando a perenidade dos negócios. Dentro desse cenário, são atividades relevantes: (i) entender todas as implicações dos seus cenários de risco, envolvendo a identificação e o monitoramento de riscos; (ii) evitar, gerenciar e preparar para a crise, tendo como base a gestão de riscos e os principais sinais que podem impactar o negócio; (iii) responder, recuperar e manter o negócio funcionando; e, (iv) aprender, reconstruir e emergir, essas são atividades de grande importância, pois abarcam treinamento, conscientização e simulação de crises de forma periódica. E quando falamos na gestão de crise em si, poucas organizações brasileiras possuem um processo estruturado em três momentos.

Luciana Bacci: Quais são essas três etapas da gestão de crise?

Alex Borges: Quando falamos em crise, todos acham que é uma coisa só, mas a gestão de crise leva em conta o pré-crise, o durante e o pós-crise. Agora nós estamos em meio ao processo da crise da Covid-19. Esse momento gera aprendizados que retroalimentam os modelos de gerenciamento de riscos. A identificação da transição do durante crise para um pós-crise se dará a partir de dois grandes momentos: (i) a maior conscientização da população em relação às orientações de prevenção; e, (ii) a diminuição dos casos da doença. Uma pandemia é diferente de uma crise comum que pode acontecer em uma operação, por exemplo, a explosão de uma planta de fábrica. A transição para o pós-crise é bem simples, basta realizar a manutenção e voltar para a operação. É uma variável controlável que acontece em um ambiente fechado com domínio direto.

Luciana Bacci: Quais as recomendações e deliberações que os conselhos devem fazer junto aos executivos para minimizar os danos causados por esse momento pelo qual estamos passando e como ele pode monitorar a execução dessas deliberações?

Ronaldo Fragoso: Existe um consenso primário entre os conselhos de que teremos um impacto financeiro e que existem algumas medidas que devem ser tomadas, tanto em relação às pessoas, quanto na operação. A primeira preocupação que o conselho deve ter é cuidar das pessoas durante esse processo. É importante conselho e diretoria executiva compartilharem as experiências, não apenas com a intenção de cobrança e acompanhamento, mas com uma abertura para a oferta de ajuda. Ninguém tem a pretensão de ter todas as respostas numa crise sem precedentes e que ainda tem desdobramentos difíceis de serem visualizados em sua plenitude. A proximidade do conselho com a administração para ajudar a pensar em alternativas é fundamental. Isso é um processo de aprendizado onde veremos como as funções de governança podem se adequar dentro de um momento tão crítico. 

*Analista de Advocacy do IBGC. 

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