Transparência é caminho para mudança de cultura, aponta secretário

Em entrevista, Ricardo Faria, da SEST, destacou questões culturais e de governança pública nas empresas estatais

  • 25/08/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

A lei 13303/2013 conhecida como Lei das Estatais foi sancionada no ano de 2016 com objetivo de melhorar e aumentar a eficiência de empresas públicas e sociedades de economia mista quanto às práticas de governança corporativa. Isso inclui, por exemplo, regras mais claras quanto a licitações, nomeação de diretores, presidentes e membros do conselho de administração.

Neste mesmo contexto, foi criada a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, a SEST, que, entre seus propósitos, acompanha o desempenho das empresas estatais federais no que se refere ao cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei das Estatais. Atento a este panorama, o Blog IBGC conversou com Ricardo Faria, secretário de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Economia. Ricardo é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e falou sobre a relação entre o mundo público e privado, os principais desafios, o trabalho da SEST, além de contemplar como as empresas públicas devem incorporar os critérios ESG. Confira a seguir, a entrevista na íntegra:

BLOG IBGC. Quando falamos em empresas estatais estamos nos referindo ao universo público, mas em alguns casos, também ao universo privado. Na sua avaliação, como se dá a convivência entre esses dois mundos?
Ricardo Faria: É importante partir do princípio que, enquanto governos existem para entregar bens públicos e políticas públicas, empresas existem para explorar a atividade econômica. Por exemplo, quando se fala em Estado Empresário, a rigor, é uma expressão contraditória, porque são mundos separados. A Constituição Brasileira deixa muito claro que o Estado não deve ser empresário, mas quando houver exceções ele deve atuar não pela atividade empresarial em si, mas pela necessidade de uma política pública. Ou seja, quando a política pública assim demandar, o Estado, eventualmente, pode atuar na atividade econômica como se empresário fosse. Mas temos que manter isso muito circunscrito, pois são duas dimensões diferentes. A partir da composição do capital temos dois tipos de empresa: a empresa pública, que é constituída exclusivamente por capital público e a empresa que tem capital negociado em bolsa, essas são chamadas sociedades de economia mista. No entanto, entre os tipos, há a empresa que também opera materialmente como uma empresa, mas que não opera em uma atividade econômica.

Quais os principais desafios você apontaria para as empresas estatais hoje?
A teoria da empresa envolve entender que a empresa é diferente do empresário. Esse é um desafio para empresários privados, principalmente em empresas familiares ou aqueles de empresas pequenas que acabam fazendo confusões de gestão. Mas também é um desafio para o governo, pois deve-se entender que as empresas estatais são entidades separadas da União. Na empresa pública, o funcionário não é da União, ele é funcionário de empresa pública. O maior desafio é fazer esses dois mundos funcionarem de forma harmônica.  A atuação da União, nestes casos, não pode ir além do que está previsto na lei. Então, esse é o nosso grande desafio: que o mundo privado entenda também que determinadas ações da União com aquela empresa partem do que está previsto na lei.

Como a SEST surge para apoiar tanto as empresas privadas quanto as públicas?
A SEST foi criada em 2016, logo depois da edição da Lei das Estatais. Ela surgiu a partir do Departamento de Empresas Estatais, do Ministério do Planejamento, pois esse departamento cresceu e foi alçado ao nível de secretaria, tanto pelo reconhecimento que a lei trouxe, mas também pelo objetivo, principalmente, de melhorar os níveis de governança corporativa e de governança pública das empresas estatais federais. Trata-se de dois mundos que se encontram: um mundo corporativo, das empresas, da atividade econômica, do mundo privado e, o mundo do direito público, da política pública, do governo. A SEST é uma secretaria que trabalha tentando melhorar os modelos e padrões de governança nestes dois mundos para conviver com alguns elementos que, em um primeiro olhar, podem parecer contraditórios.

E quais as boas práticas de governança a SEST tem fomentado?
Eu diria que a mais relevante que está na esfera de atuação da SEST é a promoção da transparência. E me refiro à transparência como um instrumento a permitir uma mudança de cultura, principalmente por parte do cidadão. Porque nossa atuação é em nome do cidadão e a melhor forma dele entender que é dono deste patrimônio é por meio da transparência. Eu acho que nós temos também um outro desafio que é entender o que é mais relevante e como comunicar o que é relevante. Esse é um desafio que a SEST assumiu desde que foi criada.

Dado esses desafios que você destacou, como fortalecer a confiança dos investidores, principalmente quanto aos critérios ambientais, sociais e de governança no Brasil, os chamados fatores ESG?
A pauta ESG é hoje uma pauta de muita visibilidade, muito relevante. Mas tenho medo de que ela seja consumida pela moda. Ela é tão relevante que deveria ser perene. As empresas estatais começaram a existir pelo interesse público, então, de nascença elas já estão vinculadas à pauta ESG. Pelo menos o S do ESG (o social) tem que estar no DNA dessas empresas de alguma forma e não como algo que ela pode fazer para compensar aquela atividade que gera um dano ambiental, por exemplo. Este curso da política pública tem que estar no curso da empresa estatal, porque ela só existe por causa desta política.

Sobre as iniciativas que têm sido desenvolvidas para ir ao encontro deste objetivo de melhorar a transparência, quais você poderia citar?
Lançamos os boletins trimestrais, além de lançarmos O Panorama das Estatais e dois relatórios. Um deles foi o Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais (RAEEF) e o Relatório de Benefícios das Empresas Estatais Federais (Rebef). Temos que integrar esse acervo de documentos e sofisticá-los. Não para colocar mais informação, mas para que o cidadão o entenda.

Em agosto de 2020, o IBGC lançou o documento “Boas Práticas de Governança Corporativa para Empresas Estatais”, saiba mais sobre a publicação aqui.