“A inclusão LGBTQIA+ tem que estar na mesa dos conselhos agora”

Para Robert Juenemann, advogado e conselheiro, representação de toda sociedade nos boards é avanço da governança

  • 30/06/2021
  • Ana Paula Cardoso
  • Bate-papo

No dia 28 de junho é celebrado o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIA+. Da sigla, cada letra representa um grupo de pessoas que sofrem diferentes tipos de violência ou discriminação, apenas por não se adequarem ao que foi estabelecido como a norma da sociedade. O Censo do IBGE não traz este recorte, mas diversas pesquisas de universidades e ONGs brasileiras estimam que 10% da população brasileira declare-se LGBTQIA+. Isto representa cerca de 20 milhões de indivíduos. Para se ter uma ideia da proporção, este número é o equivalente a um terço da população da França. 

Na prática, são pessoas que consomem, fazem escolhas de serviços e movem a economia nacional. Mas como elas estão influenciando a estratégia das empresas? “Os conselhos de administração tratam como minoria quem já é maioria na sociedade, caso das mulheres e negros. Imagina as verdadeiras minorias?” provoca Robert Juenemann, advogado, sócio fundador da Robert Juenemann Advocacia, conselheiro de administração e fiscal certificado pelo IBGC e ex-membro do conselho do instituto.

Depois da grande repercussão de seu artigo “LGBTQIA+ em Conselhos”, Juenemann tornou-se uma espécie de porta-voz do tema. Em entrevistas e debates na imprensa, ele tem reiterado que seu objetivo não é levantar a bandeira arco-íris na governança corporativa. Sua defesa da pluralidade real nos boards tem um propósito: ajudar as empresas a entenderem como a inclusão as faz avançar em termos de resultados financeiros. Em bate-papo com o Blog do IBGC, Juenemann alertou para os cuidados com o chamado pinkywashing – as empresas que comunicam estar incluindo a comunidade LGBTQIA+, mas dentro de casa não têm nenhuma diversidade. E como o preconceito pode custar caro. Veja a seguir a entrevista na íntegra.  

Blog do IBGC. Em recente entrevista ao IBGC, um consultor disse que as empresas precisam se defender com a diversidade. O que pensa sobre isso? 
Robert Juenemann. Uma vez escutei de uma grande consultoria internacional a seguinte frase: os conselhos podem até errar, só não podem errara sozinhos. E quando vemos nos conselhos pessoas praticamente iguais, pensando de forma igual, é quase como tomar decisão sozinho. É disso que estamos falando quando defendemos diversidade em conselhos. A diversidade contribui para um melhor desempenho das empresas. Isso está mais do que provado.  Com mais diversidade, os conselhos conseguem melhor cobrir mais recortes da sociedade e, assim, tomar decisões mais assertivas. Só que, na prática, não é simples.

E por que não é simples?
Vamos imaginar a avenida Faria Lima (em São Paulo) ao meio-dia. Lá vamos ver homens, entre 30 e 40 anos. Todos brancos, a maioria atléticos, vestidos do mesmo jeito e sonhando em serem o próximo investidor milionário. O cenário representativo do mercado financeiro é monocrômico. Os conselhos seguem também uma configuração pouco variada. Estamos cansados de saber que homens, brancos, faixa etária entre 50 e 70 anos compõem a maioria esmagadora dos conselhos de administração. No mundo todo é assim. Eu preencho todos esses requisitos, menos um: o de ser heterossexual. Senti o quanto ser o diferente foi incômodo em muitos momentos. E decidi aproveitar o fato de eu já estar inserido neste ambiente, de entender a linguagem dos conselhos e trazer a discussão de uma forma clara e considerada adequada.  

Então, o seu pioneirismo em trazer o tema da diversidade LGBTQIA+ pode abrir portas a novos membros deste grupo?
Talvez eu seja pioneiro apenas em romper o tabu deste tema. Porque o tema diversidade não tem nada de novo. Ele é reflexo da sociedade, que é diversa por si só. Mas podemos dizer que começou a entrar na pauta das corporações em 2004, com um documento intitulado “Who cares wins”, no qual o então diretor geral da ONU, Kofi Annan, propunha uma aliança entre o mercado financeiro e as mudanças do mundo. Depois vieram as diretrizes do acordo de Paris. E mais recentemente o fundo BlackRock, mudando toda a configuração de exigência para investimentos. Mas a pauta diversidade em conselhos significa mudança. Mudança de cultura. E aí não tem como fugir do clichê: mudar causa desconforto. A minha proposta é colocar o tema sobre a mesa. É somente encarando os fatos que vamos poder lidar com eles.

E como fazer avançar o tema da inclusão LGBTQIA+ nos conselhos?
Esse espaço aqui, no IBGC, que é a referência de governança corporativa no Brasil, já é um avanço. Mas precisa de mais. Precisa alertar para evitar apenas o discurso e não ter inclusão na prática. Hoje tem o pinkywashing, que seriam as empresas que fazem, por exemplo, uma publicidade disruptiva sobre o tema LGBTQIA+, mas continuam sem representatividade nos seus quadros estratégicos. Agora, outra forma muito simples de tratar a inclusão deste grupo é aplicar quatro dos princípios de governança corporativa:  responsabilidade social, transparência, prestação de contas e equidade (tratamento justo de todas as partes). Quando nos ancoramos nesses quatro princípios fica muito fácil defender a posição. Porque, na batida de transformação que o mundo vem tendo, fica difícil alguém contrariar. Pois preconceito sobre o tema é negar respeito a uma parcela considerável da condição humana. 

Você é um conselheiro experiente e conceituado. O que te move a enfrentar todas as dificuldades em tratar deste tema?
A busca por respeito. Quando a gente é verdadeiro, as pessoas nos recebem bem. Sou casado há 32 anos e eu e meu companheiro tivemos Covid-19. Percebi quanto a vida pode ser efêmera e quanto a iminência da perda do meu marido, que é a minha família, me abalou. Decidi abraçar essa causa para tentar tornar essa discussão cada vez mais natural. Falo de diversidade com a mesma propriedade com a qual falo sobre a exclusão do ICMS e do ISS, com a qual falo da base de cálculo do PIS e da COFINS, de planejamento estratégico, da pauta ESG (ambiental, social e governança) e outros temas. Membros de grupo de diversidade têm capacidade e habilidade para tratar de outros temas. Já os conselhos de administração têm tratado como minoria quem já é maioria na sociedade, caso das mulheres e negros. Imagina as verdadeiras minorias? Para discutir os conselhos do futuro, a inclusão LGBTQIA+ tem que estar na mesa dos conselhos agora. Caso consigamos fazer isso, as gerações futuras darão continuidade. Pelo simples fato que as empresas não sobreviverão sem diversidade. Sem a representação de todas as camadas da sociedade em cargos estratégicos nas empresas, a governança retrocede.