“Nenhuma empresa ou tecnologia pode operar isoladamente”

Para Roger Spitz, visão global dos stakeholders é oportunidade para organizações se estabelecerem de uma nova maneira

  • 07/07/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

São tempos de reformulação dos modelos de negócios, dada às urgências da década marcadas, principalmente, pelas mudanças climáticas, novas formas de relacionamento humano e avanço das tecnologias. Mas para Roger Spitz, presidente da Techistential e fundador do Disruptive Futures Institute, em São Francisco (EUA), os negócios não correm perigo desde que todos esses sinais sejam atendidos e internalizados pelas companhias.

Roger tem ajudado empresários, CEOs e conselhos a se adaptarem às disrupções e avanços tecnológicos do futuro. Durante sua participação no Encontro de Conselheiros*, realizado pelo IBGC, nos dias 29 e 30 de junho, o especialista concedeu entrevista ao Blog IBGC e contou como as empresas podem transformar os desafios em oportunidades, fomentar mais a cooperação, inclusive entre os concorrentes e, assim, promover negócios como sistemas vivos, que não se voltem apenas para um único grupo interessado, mas que considerem a sociedade global, em sua totalidade, como parte interessada de uma organização. Confira a seguir a entrevista com Spitz:
 
Blog do IBGC. Você geralmente menciona que vivemos em um mundo em uma taxa exponencial de mudança, cuja tecnologia é a chave para conduzi-la. Que tipo de mudanças as empresas poderão perceber daqui para frente para um horizonte de 20 anos?
Roger Spitz. Uma série de aceleradores irão se somar para acelerar ainda mais o ritmo da mudança. Isso inclui a cognificação que é a combinação inteligente de Internet das Coisas (IoT), habilitada pela tecnologia sem fio 5G e a inteligência artificial. A cognificação torna tudo cada vez mais inteligente por meio da conectividade, integrando sensores com outras tecnologias. Além disso, podemos mencionar o autoaperfeiçoamento recursivo à medida que as máquinas se tornam mais inteligentes. Esse ciclo recursivo de inovação gerará mais acelerações. Os algoritmos de aprendizado de máquina, por exemplo, estão gradualmente desenvolvendo a capacidade de escrever e, eventualmente, manter seu código. Uma das razões pelas quais esses avanços são possíveis é graças aos extensos dados de treinamento disponíveis publicamente. Por exemplo, em sites de codificação como o GitHub. Eu citaria também as plataformas de inovação combinadas como aceleradores da mudança. Por exemplo, Pokémon Go alcançou 50 milhões de usuários em apenas 19 dias e arrecadou 207 milhões de dólares em 30 dias de seu lançamento. Esse crescimento foi construído com base em plataformas de Internet, inteligência artificial, dispositivos móveis e mídia social. Cada nova tecnologia depende inteiramente - e ainda se beneficia - das plataformas construídas nas décadas anteriores. Quando, além dessas implantações combinatórias, as tecnologias exponenciais convergem, se cognificam e se auto aprimoram, essa aceleração combinada é sempre mais poderosa, mais barata, com maior alcance e maior impacto.

Quais são as oportunidades e pontos de atenção que os conselhos e demais executivos de empresas já podem visualizar com cada uma dessas mudanças?
Podemos mencionar a conectividade que veio para ficar e está tornando o trabalho mais remoto, digital e acessível globalmente. Em nosso local de trabalho descentralizado, virtualizado e flexível, o trabalho remoto mudou o mercado de talentos digitalmente e expandiu seu acesso. Por um lado, os funcionários não precisam mais deixar suas casas para expandir suas possibilidades de carreira, por outro, a competição por empregos aumentou. Além disso, temos os ciclos de vida comprimidos. Conforme o ritmo de mudança acelera, os ciclos de vida da empresa, os ciclos de vida do produto e até mesmo os ciclos de vida da carreira são comprimidos. Tudo fica mais barato e rápido. Permanecer relevante e resistir ao teste do tempo será um diferencial. Ao mesmo tempo, é preciso estar atento à competição com as máquinas. A IA já ultrapassa a habilidade humana na detecção de tendências, reconhecimento de sinais e padrões para dados não estruturados em escala. A hiperconectividade também é outra questão. É positivo que as ideias e os negócios atinjam a massa crítica e se popularizem rapidamente. Mas também é um desafio garantir que questões indesejáveis ​​não fiquem fora de controle. O bom, o mau e o feio podem se espalhar igualmente como um incêndio. 

Quais são as questões-chave da agenda corporativa hoje que serão essenciais para conselhos eficazes no futuro?
Um caminho é observar os modelos de negócios (do inglês, Business Models-as-a-System, BMaaS) como um sistema  vivo, fluido e dinâmico, em constante evolução e interconectado. Como ecossistema, com interdependências, ciclos de feedback, síntese e co-emergência constante. Aqui entra também a capacidade da competição se misturar com a colaboração e a inovação à medida que as entidades compartilham e criam conjuntamente. Buscar a diversidade, ser capaz de aproveitar a inteligência coletiva em todo o mundo, aproveitar a mudança sustentável e integrar os desafios ecológicos e sociais estão entre outras características. Nenhuma empresa ou tecnologia pode operar isoladamente. Os futuros são moldados por pesquisa e desenvolvimento, tecnologias e padrões compartilhados que são co-desenvolvidos. Às vezes, até mesmo com concorrentes. Desafios profundos, como mitigar as mudanças climáticas, exigem tecnologias profundas. Essas tecnologias nascentes podem não ter retornos financeiros claros no início, mas o compartilhamento de riscos e a promoção de novos avanços críticos podem se tornar prioridades maiores.

Como os conselhos, ao adotar boas práticas de governança corporativa, podem estar preparados para um ambiente de negócios disruptivo?
Para fazer um realinhamento, as empresas devem olhar para o presente e o futuro, em vez de simplesmente continuar as atividades legadas do passado. Em vez de focar em investimentos estáticos ou desatualizados com base em tendências anteriores, eles devem buscar alinhar os valores da empresa com os dos funcionários e stakeholders. Em sua essência, os negócios criam valor, de modo que as empresas com maior alinhamento com a sociedade e com o mundo em geral serão as maiores criadoras e coletoras de valor. Um exemplo, é a maximização do valor para o acionista que há muito tempo é entendida como o principal objetivo das organizações empresariais. Conhecida como “primazia do acionista”, esse foco exclusivo no acionista significa que seus interesses vêm antes de qualquer outro stakeholder interno ou externo da organização. Na era moderna, o conceito de primazia do acionista está sendo contestado por uma consciência cada vez maior da responsabilidade que uma organização deve a todos os seus stakeholders.

Qual a relevância dessa abordagem de “capitalismo de partes interessadas” ou Stakeholder Capitalism?
Essa ideia de “capitalismo de partes interessadas” (Stakeholder capitalism) embora ainda relativamente nova em uma escala global, tornou-se mais relevante do que nunca em nossa era atual de preços baixos dos produtos, altas expectativas dos consumidores e custos ambientais externalizados propagados pela primazia dos acionistas. O stakeholder capitalism reconhece a sociedade global em sua totalidade como parte interessada de uma organização. Esse reconhecimento mede o sucesso econômico de acordo com o quanto uma organização beneficia a sociedade como um todo, não apenas seus proprietários. À medida que as preferências se voltam para o capitalismo das partes interessadas, os líderes serão forçados a redefinir internamente o que significa ser uma organização. A visão não pode mais ser obscurecida por meras metas financeiras e o sucesso reduzido ao resultado financeiro. Um aumento na melhoria mútua das partes interessadas internas e externas oferece uma oportunidade para as organizações se estabelecerem de uma nova maneira. Os negócios, portanto, não correm perigo. Ao contrário, eles têm a oportunidade de serem complementados e aprimorados, desde que esses sinais sejam atendidos e internalizados. Não se trata mais de obter o máximo de valor pessoal possível, mas de alcançar, simultaneamente, uma escala micro e macro, vinculando propósito ao lucro e entrando em uma nova era de transparência e responsabilidade.

*O Encontro de Conselheiros 2021 foi um evento exclusivo realizado pelo IBGC nos dias 29 e 30 de junho. Os inscritos no evento, ao longo do mês de julho, podem rever as palestras e debates, inclusive a de Roger Spitz, clicando aqui.