“Muito se fala em ESG, mas o S não se resume a contratar”

Para a advogada e ativista Amanda Baliza, alcançar diversidade em todos os níveis da empresa requer planejamento a curto, médio e longo prazo

  • 21/07/2023
  • Angelina Martins e Gabriele Alves
  • Bate-papo

O tema e a agenda da Diversidade são recorrentes em discussões da sociedade civil e das organizações, mas ainda existem muitas lacunas a seu respeito. Pesquisa do Center for Talent Innovation aponta que 61% dos funcionários gays e lésbicas decidem esconder sua sexualidade de seus gestores e colegas por medo de perderem o emprego.

Diante dessa constatação que se impõe à realidade social brasileira e mundial, o Blog IBGC entrevistou Amanda Souto Baliza, advogada, ativista e palestrante, que atua na área de direito antidiscriminatório com foco na garantia de direitos individuais e difusos da população LGBTI+ e direito da saúde. Vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da OAB, Amanda foi a primeira mulher trans do país a presidir uma comissão da OAB em nível seccional e a primeira e única a ocupar a diretoria de uma comissão no Conselho Federal.

Entre outras ações, Amanda coordena a área jurídica da Aliança Nacional LGBTI+, é Diretora Jurídica da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas e integrante do Comitê Jurídico no Fórum de Empresas LGBTI+, do qual o IBGC é apoiador. A advogada é também representante da OAB Nacional no Conselho Nacional LGBTQIA+ do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania. Confira o papo a seguir: 

BLOG IBGC: Quais os direitos das pessoas LGBTQIA+? Conquistados e a conquistar?
Amanda Baliza: Hoje, a população LGBTQIA+ tem seus direitos garantidos por muitos atos normativos diferentes e, infelizmente, não temos leis federais que garantam esses direitos, mas decisões do STF, resoluções, portarias, decretos etc. Em 2006, a Dra. Maria Berenice Dias fez um levantamento e elencou 37 direitos que a população LGBTQIA+ não tinha em relação ao resto da população e todos esses direitos foram conquistados a partir de 2011. Tenho uma palestra na qual explico como essa construção de direitos ocorreu no Brasil de 1500 até 2023, mas basicamente hoje temos o processo transexualizador no SUS (2008), união estável (2011), casamento (2013), permissão de uso de técnicas de reprodução assistida (2013), adoção (uso 2015 como referência em razão de uma decisão importante do STF), proibição de uso de termos discriminatórios em textos legais (2015), nome social na administração pública federal (2016), retificação de registro civil em cartório (2018), criminalização da LGBTIfobia (2019), vedação à proibição de doação de sangue (2020), possibilidade de autodeclaração no sistema prisional (2020), proibição de bloqueio de atendimento de pessoas trans no SUS (2021), registro de pessoas intersexo (2021), dentre outros. Entendo que hoje precisamos conquistar a garantia de que esses direitos sejam de fato aplicados e reconhecidos, mesmo longe dos grandes centros, além, é claro, de acabar  com a ideia de algumas pessoas que pensam que discriminar é um direito. Ainda existem processos no Supremo Tribunal Federal como o RE 845.779, que visa garantir o uso de banheiros por pessoas trans ou a ADI 5668, que visa obrigar o Estado a combater o bullying LGBTIfóbico nas escolas, mas enquanto o STF não decide, a jurisprudência nacional tem se consolidado no sentido de proibição à discriminação.

Como promover o avanço da pauta de inclusão nas empresas?
Muito se fala em ESG, mas o S não se resume a contratar e as empresas precisam entender  que o ambiente deve ser acolhedor para as pessoas. Infelizmente, ainda vemos casos de empresas que fazem processos seletivos para pessoas trans, por exemplo, mas depois da contratação não há preocupação no respeito ao uso do nome social, à identidade de gênero, garantia de uso de espaços segregados pelo gênero com o qual a pessoa se identifica etc. Para garantir o acolhimento existem muitas consultorias em diversidade e inclusão que podem analisar a realidade de cada empresa, ajudar a criar protocolos de capacitação e, ainda, reformular práticas que podem ser consideradas discriminatórias.

De que maneira os conselhos de administração podem trabalhar para que a empresa e seus colaboradores naturalizem a inclusão de pessoas LGBTQIA+?
O primeiro passo é olhar para dentro do próprio conselho de administração e verificar o quão diverso ele é. Muitas vezes empresas se gabam de terem mais de 50% de mulheres em seus quadros, de fazerem processos seletivos com vagas afirmativas, mas os cargos com poder decisório são ocupados quase totalmente por homens brancos cis e hétero. Após a análise interna é preciso que sejam criados planos de curto, médio e longo prazo para que a estrutura da empresa alcance a diversidade em todos os seus níveis. A naturalização irá ocorrer por meio de iniciativas da corporação como capacitações, eventos temáticos, comitês de diversidade, inserção de temas relacionados à diversidade de forma transversal com a área finalística da empresa etc. Mas não somente isso, a naturalização ocorre também por meio da convivência com o diferente; por meio dela há quebra de estereótipos, o que também é importante para desmistificação de ideias equivocadas que foram construídas por séculos no imaginário popular.

Qual a importância da criação de comitês de diversidade nas empresas?
Comitês são espaços importantes de acolhimento, de reflexão sobre os direitos dos colaboradores e de proposição de políticas corporativas que poderão beneficiar a todos e a empresa, a partir de visões mais amplas e diversas . O ideal é que sejam compostos não somente por pessoas LGBTQIA+, mas também por pessoas cis hétero que desejam entender mais sobre as dinâmicas relacionadas à diversidade sexual e de gênero. Isso na prática nem sempre é fácil já que  pessoas cis hétero têm receio  de serem percebidas como LGBTQIA+ por transitarem nesses espaços. Então, é papel da empresa estimular uma visão de que os comitês são ambientes seguros, inclusivos e para  todas as pessoas.

Como combater a discriminação e inserir o tema de orientação sexual e identidade de gênero nas empresas e na sociedade, em geral?
Por muitos anos a comunidade LGBTQIA+ foi vista como inimiga da sociedade em diversos meios, isso criou uma imagem extremamente pejorativa que somente agora está sendo desconstruída pela grande mídia. A discriminação deve ser enfrentada e combatida a partir de uma reeducação da sociedade para que os preconceitos sejam quebrados. Nas empresas, é  importante a adoção de medidas de prevenção como campanhas informando quais são os direitos dos colaboradores, quais os reflexos legais possíveis para quem comete a discriminação, políticas afirmativas no recrutamento e seleção para a construção de um quadro mais diverso, capacitação e formação continuada etc. O STF já reconheceu em 2019 que a discriminação, em razão de orientação sexual ou identidade de gênero, configura crime de racismo. Particularmente, entendo que existem pelo menos dois grupos distintos de pessoas que discriminam: aquelas que o fazem por reflexo de uma criação preconceituosa e aquelas que usam da discriminação para obter algum tipo de vantagem. Com o primeiro grupo, muitas vezes as medidas preventivas podem ser suficientes, já com o segundo, a aplicação rigorosa da lei é o único caminho.

Leia também a pesquisa Diversidade de Gênero e Raça nas Lideranças Organizacionais, uma parceria do IBGC com a Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-SP) e Sistema B.

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