“Podemos recomendar mais cautela para irmos mais longe”

Luiz Reis, diretor de ensino e pesquisa do Hospital Sírio-Libânes, fala sobre os aprendizados durante pandemia e as recomendações para 2022

  • 16/12/2021
  • Gabriele Alves
  • Bate-papo

O prolongamento da pandemia de Covid-19 ao longo do ano de 2021 fez com que muitas empresas passassem a prever a retomada das atividades presenciais em 2022. No entanto, de acordo com pesquisa da KPMG, 87% das empresas ouvidas afirmam que vão manter o sistema de trabalho presencial e remoto mesmo com o movimento de retorno aos escritórios sendo crescente. 

Durante o enfrentamento da pandemia de Covid-19, o IBGC contou com a consultoria especializada do Hospital Sírio-Libanês para obter orientações não só sobre as condições sanitárias para um retorno presencial, mas também para apreender as recomendações em diferentes etapas do período pandêmico, incluindo o home office, a fim de assegurar o bem estar de todos seus stakeholders. 

Para contar um pouco sobre como foi o período,a importância da governança nesse contexto e qual é análise do momento atual, o Blog IBGC conversou com o doutor Luiz Reis, diretor de ensino e pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. Luiz falou não só dos planos de retorno, mas da construção de planos home office e contou qual é o modelo de trabalho mais observado pelas empresas nesta etapa. Confira a entrevista completa a seguir: 


BLOG IBGC: No primeiro momento da pandemia, especialmente nos meses iniciais, como foi o processo de apoio ao IBGC? A que fatores a consultoria em saúde mais se atentou?

Dr. Luiz Reis: Durante toda a pandemia, desde os momentos mais iniciais até os mais críticos como os meses de janeiro a março de 2021, sempre avaliamos como o vírus se comportava e como estava sendo transmitido em determinada população, ou seja, tratamos de olhar quais os riscos daquela população se infectar pelo vírus. Em uma situação de globalização,  a velocidade com que o vírus sai da Ásia e chega na América é a mesma velocidade com que  um avião leva pra sair na Ásia e chegar na América, então, o vírus tinha uma população inteira ao seu dispor, por isso  se espalhou rapidamente, já que não encontrava nenhuma barreira. Esse foi um primeiro momento. Agora, a situação de hoje é que temos um número bastante significativo, embora ainda heterogêneo, de pessoas que ou já foram infectadas ou foram vacinadas e que, aparentemente, desenvolveram um grau de proteção ainda melhor. Com isso, a gente tem uma redução bastante significativa da circulação do vírus. Mas em ambas as situações continuamos a observar a capacidade do vírus se disseminar e qual é a suscetibilidade daquela população. 

Fala-se muito dos planos de retomada no momento, mas antes deles vieram os planos home office. Como foi o processo de construção desses planos?

No início desses projetos, tínhamos um vírus se espalhando muito rapidamente por uma população suscetível muito grande e só tínhamos à disposição medidas que chamamos  de não farmacológicas, porque a gente não tinha vacina. Então, essas medidas nesses planos eram: fazer um distanciamento muito rigoroso, evitar a qualquer custo transporte público, locais de trabalho, usar a máscara em locais fechados ou abertos. Por isso, traçamos planos de home office para as pessoas não saírem de casa e isso, seguramente, teve um impacto muito significativo. A gente não pode ter dúvida de que os planos home office foram  uma das razões pelas quais o vírus não se espalhou ainda mais e nós não tivemos ainda mais óbitos do que já tivemos. 

Mas e agora, por onde as empresas devem começar a estudar as medidas de flexibilização?

À medida que a gente foi desenvolvendo outras proteções, como a chegada das vacinas,  o vírus foi diminuindo sua circulação. Com isso, pode-se começar a medir o custo benefício de algumas medidas de flexibilização. As pessoas já começaram a retomar algumas  atividades, mas nunca deixamos de recomendar o uso de máscara e algum grau de distanciamento, que varia muito conforme o local de trabalho: se é um local aberto ou fechado, se há grau de ventilação naquele local e que tipo de população está se concentrando ali. 

Olhando para a situação atual, hoje, a nossa consultoria continua preconizando o uso de máscara, além de evitar aglomerações e fazer a higiene das mãos. O equilíbrio no momento consiste em tomar essas precauções, alinhadas à vacinação. Para acessar alguns eventos presenciais, por exemplo, as empresas precisam seguir os protocolos citados, além disso, para se ter controle maior dos riscos, as duas doses da vacina são necessárias. 

Além dessas medidas, o uso de testes é recomendado?

Hoje, o teste de antígeno feito em farmácia tem uma especificidade bem razoável, mas o fato de dar negativo não significa que você não tenha o vírus. Talvez o vírus esteja ainda em um período de incubação em uma quantidade ainda não detectável. O teste tem um grau de informação, mas ele tem a precisão que o vírus permite que ele tenha. Se há um nível baixo do vírus, há uma falsa sensação de segurança. 

Pensando nas boas práticas de governança, que análises são importantes para os movimentos corporativos de retomada que estão previstos no mercado para 2022?

Todas as medidas de precaução precisam encontrar um equilíbrio, principalmente em uma instituição voltada para a governança, pois a ciência e o conhecimento entregaram aquilo que esperávamos: as vacinas. Nota-se uma situação mais confortável que antes, mas sem esquecer que a situação não está resolvida. Para isso, uma análise do custo benefício nas empresas é importante, porque o país precisa retomar algum grau de atividade econômica, já temos uma situação de espalhamento do vírus diferente do que era antes, no início, mas o vírus ainda está entre nós. Então, é necessária essa análise. Vou dar o exemplo das atividades escolares. Sempre defendi que a escola tem que ser a última coisa  a fechar e a primeira a abrir. Isso porque, adotadas as medidas de segurança, retomar às atividades escolares é importante, porque o custo desse afastamento especialmente às crianças mais jovens é muito alto. É esse balanço que é necessário sempre fazer e avaliar. 

Há outras práticas que gostaria de mencionar?

Do ponto de vista do risco de contaminação da Covid-19, deve haver uma gestão de risco capaz de avaliar as condições de trabalho que a empresa oferece, a sua população, considerando os perfis, como ter uma população mais idosa ou não. É necessário se perguntar: quais são os riscos e benefícios da flexibilização? Até onde podemos flexibilizar e até onde devemos nos manter mais cautelosos? Vale lembrar que geralmente não podemos flexibilizar mais do que as recomendações oficiais, mas podemos recomendar mais cautela para irmos mais longe.

Feita essa análise, que opções tem preponderado entre as empresas: modelo presencial, híbrido ou totalmente distante fisicamente do escritório?

A estratégia do caminho híbrido é a mais observada. Provavelmente, a retomada de início não seja a ponto de ter todo mundo da empresa sentado no local de trabalho, mas também não acho que vamos viver com o grau de isolamento que a gente viveu no início desta pandemia. 

E quais foram os principais aprendizados para o universo corporativo com a pandemia de Covid-19 até aqui?

No início da pandemia tivemos uma supervalorização do home office, em que tudo era possível no home office. Mas logo foi possível identificar que as pessoas precisam de algum contato, pois essa interação entre as pessoas ajuda na produtividade, ajuda no desenvolvimento de novas ideias. Outra coisa que ficou evidente é que o home office gera situações muito heterogêneas. Enquanto para alguns, o home office significa ganhos de produtividade, já que evita tempo de deslocamento, para outras pessoas era uma necessidade, porque nem todo mundo tem o privilégio de ter um escritório em casa, com a privacidade que precisa. Muitas pessoas tiveram os filhos fora da escola, enquanto estavam no home office e o filho estava ao lado brincando. O caminho é chegar a um ponto de equilíbrio. Mesmo quando chegarmos ao final desta pandemia, o esquema híbrido vai ser uma opção. Não vai ser uma regra, mas vai ser uma opção. 

Vamos caminhar para uma epidemia em 2022? Como a temporada de fim de ano pode impactar esse processo?

Ainda temos uma pandemia, porque temos o vírus circulando globalmente. Mas vamos caminhar para situações de controle em que os episódios estarão mais localizados e que o vírus vai se acomodar de uma forma que ele vai ficar para sempre. É difícil ter um vírus respiratório em que se consiga garantir a erradicação. Não sei se vamos erradicar esse vírus, mas talvez, tenhamos uma situação de maior controle. Sobre as festas de fim de ano, devemos nos preocupar com essa época, muito embora temos uma diferença em relação a 2020: antes não tínhamos a população vacinada. Hoje, caminhamos em uma velocidade de vacinação no país bastante significativa. Mas é importante lembrar que se contaminando, mas cumprindo o protocolo vacinal, você vai desenvolver uma doença muito mais branda. 
Não podemos parar de proteger a população. Ainda que o vírus circule, com a proteção, teremo uma situação muito mais controlada. 

Gostaria de deixar uma mensagem neste momento?

A minha maior mensagem é que depende de nós fazermos do ambiente de trabalho o mais seguro e agradável possível. Hoje, ele tem um custo, que é manter um rigor de higiene, um certo distanciamento e usar a máscara. É uma responsabilidade individual de cada um dos colaboradores para fazer com que a coletividade se sinta segura e que, de fato, retome uma atividade que permita um bem estar maior para todos.