“Investir na diversidade de lideranças cria um efeito positivo”

Segundo a consultora Mirella Prosdocimo, para que haja conselhos humanizados, é preciso entrar na esfera da diversidade e inclusão

  • 15/04/2024
  • Angelina Martins
  • Bate-papo

Você acompanha agora o bate-papo com a egressa do curso Conselheiros de Administração do IBGC, Mirella Prosdocimo, uma mulher com deficiência, que tem sua história marcada por superação e luta pela inclusão social e profissional de pessoas com deficiência (PCD).

Mirella fundou a Adaptare Consultoria e o Fórum Permanente de Luta da Pessoa com Deficiência de Curitiba. Na mesma cidade foi secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Acompanhe!

Blog IBGC: Por que você decidiu pela realização do curso Conselheiros de Administração?
Mirella Prosdocimo: Sou tetraplégica há mais de 30 anos, isso significa que não tenho nenhum movimento do pescoço para baixo e dependo de outras pessoas para realizar todas as minhas atividades do dia a dia. Após um longo período de adaptação a essa realidade me tornei especialista em Diversidade & Inclusão, tanto pela minha história e lugar de fala como pela minha formação continuada: depois de me formar em Letras participei de intercâmbio nos Estados Unidos para me aprofundar em tecnologias assistivas e inclusão na Bridgewater State University. Posteriormente, fiz especialização em Educação Especial e Inclusão e em Gestão Social e Sustentabilidade. E recentemente concluí o curso “International Women's Health and Human Rights”, pelo Stanford Center for Professional Development.

O curso Conselheiros de Administração do IBGC surgiu em um momento em que buscava me aprimorar ainda mais na área da diversidade e inclusão e também como uma oportunidade para ampliar meu horizonte e contribuir mais para que a voz da pessoa com deficiência seja ouvida, respeitada e, principalmente, valorizada, já que são tão poucas as pessoas com deficiência em cargos de liderança nas empresas, ou integrantes de conselhos de administração e espaços de relevância no nosso país.

Acredito que estamos ainda nas etapas iniciais de conscientização da sociedade sobre a importância da diversidade, e vejo como uma grande oportunidade para os conselhos. No meu caso, como mulher e pessoa com deficiência, acredito na força da minha experiência somada à de outros conselheiros e conselheiras pelo fortalecimento da governança.

A acessibilidade do instituto atende as necessidades de pessoas com deficiência?
Se por um lado existe facilidade com relação ao conteúdo e professores do IBGC pela dinâmica virtual, por outro lado existe uma perda na convivência presencial entre colegas e professores que foi vivenciada apenas no último encontro.

No encontro presencial tive total acesso às instalações sem qualquer dificuldade, mas precisamos ter mais e mais pessoas com deficiência participando dos cursos. Conheço a iniciativa do IBGC e B3 para a formação de conselheiros negros. Sei também que o IBGC fez um curso de formação para membros do Comitê Paralímpico Brasileiro. E pergunto: por que não replicar a iniciativa dos conselheiros negros para criar uma turma para conselheiros com deficiência com a B3? Precisamos de iniciativa, letramento e, principalmente, convivência.

Os conselhos de administração estão preparados para receber as diversidades de gênero e de PCD?
Talvez não estejam preparados para mudanças em um contexto geral, mas a adaptabilidade é extremamente necessária neste mundo tão complexo que vivemos atualmente. Aquele conselho formado apenas por homens, na grande maioria brancos, heterossexuais, tidos como “padrão” na sociedade, simplesmente não é mais aceitável, não representa adequadamente a realidade ou recorte do corpo de colaboradores das empresas, o perfil de consumidores, a sociedade, enfim.

Acredito que cada organização é singular e tem as suas particularidades e maturidade para evoluir, entretanto, uma empresa de sucesso precisa ir além do resultado financeiro, perseguir um propósito maior, e que, como consequência, crie valor para todos os públicos com os quais se relaciona. Com isso começamos a ver a construção de empresas cada vez mais humanizadas.

A pesquisa do IBGC “Análise da diversidade de gênero e raça de administradores e empregados das empresas de capital aberto” mostra, por exemplo, que a diversidade de gênero na administração tem evoluído lentamente nos últimos anos e apresenta uma modesta representação feminina. Se a diversidade de gênero é pouco expressiva, a diversidade de raça é ainda menos representada. E pessoas com deficiência em conselhos? Nossa representação é praticamente “traço”, ou seja, ou muito pequena ou nem pesquisada. E estamos falando de uma parcela que representa 10 a 15% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Acredito que esse é o pilar da diversidade que tem maior dificuldade para ser incluído no mundo do trabalho, mesmo tendo leis que regulamentam a contratação de pessoas com deficiência, pois o preconceito ainda é enorme e uma grande barreira.. E podemos acelerar essa mudança se trouxermos a discussão para os conselhos, se influenciarmos o “tom do topo”.

É relevante o seu histórico no ativismo pela diversidade e inclusão. Como você vê a luta pela igualdade e diversidade no Brasil?
A luta tem avanços, mas são tão lentos que muitas vezes nos deixam em dúvida, para não dizer desesperançosos. No meu caso, sofri um acidente de automóvel em 1992, aos 17 anos. Tivemos muitos avanços nesse período, principalmente em relação à legislação, uma das mais completas a nível mundial. Mas, e a implementação dessas leis e direitos? Na minha adolescência e nos 10 primeiros anos após o meu acidente, permaneci com a visão arraigada de que não conseguiria fazer nada sem ao menos movimentar meus braços. Capacitismo puro! Com o tempo, a convivência com outras pessoas com deficiência me ajudou. Meu amadurecimento, com a constatação de que a limitação está muito mais na cabeça do que no corpo, me permitiu evoluir e conquistar muitas coisas. Voltar a estudar, me sentir pertencente a um grupo foi um primeiro avanço gigantesco. Depois, trabalhar como consultora para empresas na busca de inclusão de pessoas com deficiências foi outro salto quântico para o meu amadurecimento.

Investir na diversidade de lideranças cria um efeito positivo em cascata, promovendo naturalmente uma cultura mais colaborativa e inclusiva em toda a organização. Além disso, há evidentes benefícios para a cultura organizacional. Diferentes convivendo e trabalhando se transformam, evoluem e criam novas formas de buscar resultados.

Acredito que a frase do Prof. Boaventura de Sousa Santos resume bem: “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.”

Alô, conselhos? Alô conselheiros? Alô IBGC? Vamos juntos acelerar este movimento?


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