Coronavírus altera dinâmica de divulgação de informações e assembleias de companhias

Novo cenário global pressiona elementos de governança corporativa como transparência e processos decisórios

  • 20/03/2020
  • Danilo Gregório*
  • Panorama Regulatório

Nos últimos dias, o sobe e desce dos índices acionários têm sido as maiores evidências do quanto níveis acentuados de incerteza e informações desencontradas impactam os negócios em bolsas de valores. 

Mas, se em condições normais, a tempestividade e a qualidade das informações divulgadas servem como vitaminas para a correta precificação das companhias, os contornos sociais da crise global gerada pela pandemia da covid-19 está fazendo órgãos reguladores do mundo todo a reverem seus conceitos, flexibilizando regras de relatos periódicos e de realização de assembleias de acionistas.

Os efeitos são visíveis nas dinâmicas de ao menos dois elementos básicos de governança corporativa: a transparência e os processos decisórios. 

Estados Unidos 

A Securities and Exchange Commission (SEC), xerife do mercado norte-americano de capitais, adotou uma política que, sob certas condições, estende o prazo em até 45 dias para alguns documentos que seriam entregues entre 1º de março e 30 de abril, como relatórios anuais e trimestrais. Um dos requisitos é que a companhia justifique por que necessita desse tempo adicional, baseada em suas circunstâncias particulares.

O presidente da SEC, Jay Clayton, reconheceu que, embora a divulgação tempestiva de informações obrigatórias seja uma “pedra angular do bom funcionamento dos mercados”, o momento atual pode impedir que determinados emissores preparem esses documentos dentro dos prazos exigidos. “A saúde e a segurança de todos os participantes dos mercados é de importância primordial”, frisou.

Além do isolamento de membros das equipes e da transição de atividades para trabalho remoto, também afeta as companhias as necessidades de auditoria interna e externas, que ainda envolvem procedimentos físicos. Ciente da situação, a SEC também abriu a possibilidade de um alívio ainda maior que os 45 dias.

No dia 13 de março, a SEC também anunciou que autorizou que reuniões de conselho de empresas investimentos ocorram de modo virtual  e publicou um guia para companhias que desejam alterar a data, local ou organizar suas assembleias de modo apenas virtual - questão disciplinada por leis estaduais e estatutos sociais. 

Assembleias virtuais 

Por restrições regulatórias ou tecnológicas, a maior parte das companhias que realizam assembleias online ou permitem voto à distância ainda optam pelo modelo híbrido, ou seja, com a possibilidade de presença física. Mas os encontros virtuais estão encontrando força diante dos riscos de saúde pública. 

A rede de caferias Starbucks realizou, na última quarta-feira (18) sua assembleia anual de acionistas somente em ambiente virtual, alegando preocupações com o avanço da covid-19 para cancelar a participação física no encontro. Outras companhias, como Qualcomm, vão impedir a presença física de pessoas vinda de áreas definidas como de maior risco. 

Em um artigo publicado no blog do Fórum de Governança Corporativa da Escola de Direito de Harvard, Chris Rushton, Jeff Jackson e Marie Römer, da Glass, Lewis & Co, empresa de consultoria para votação em assembleia (proxy advisory), apresentou um panorama de alguns dos principais mercados dos impactos do coronavírus na publicação de documentos corporativos e na realização de assembleias de acionistas.

Ásia 

As primeiras medidas emergiram em países asiáticos, os primeiros atingidos pela doença infecciosa. As bolsas chinesas de Shenzhen e de Xangai adiaram de março para 30 de abril o prazo para publicação de relatórios anuais. Em Singapura, as empresas ganharam dois meses adicionais para a realização de assembleias de aprovação de contas de 2019. 

Na Coreia do Sul, companhias não serão punidas por atraso na entrega de seus demonstrativos financeiros se atenderem a uma das condições: ter as principais operações em áreas domésticas afetadas ou na China; ou não ter sido capaz de concluir a auditoria externa por causa da epidemia ou medidas de desinfecção.   

Ainda segundo os autores da Glass, Lewis, empresas tailandesas foram autorizadas a solicitar adiamento do registro de suas demonstrações financeiras no órgão regulador do mercado de capitais, caso a crise tenha impedido o conselho de administração de se reunir para aprovar os balanços. 

Reino Unido 

O governo britânico anunciou, nesta quinta-feira (19), que as companhias podem solicitar prazo adicional para arquivamento de seus balanços antes da data-limite em função da pandemia. Segundo o Financial Reporting Council, órgão regulador, a lei prevê até três meses de extensão de prazo, mas a Companies House, autoridade que recebe esses registros das companhias, tem como política não autorizar os pedidos, a não ser em situações extremas.    

Em relação às assembleias, o FRC emitiu um guia para esclarecer dúvidas sobre como adiar, mudar o local da assembleia ou viabilizar participação remota. 

Brasil

No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não pode adiar adiar os prazos de realização de assembleias e publicação de demonstrações financeiras que são definidos na Lei 6.404/1976. Entidades do mercado já se articulam para que seja editada uma medida provisória (MP) alterando os pontos necessários para uma flexibilização dos prazos. 

De qualquer maneira, a autarquia está avaliando a situação das companhias e que medidas pode adotar dentro de suas competências. Além de já ter interrompido suas atividades presenciais, inclusive o recebimento de documentos físicos, a CVM também alterou prazos de procedimentos de ofertas públicas.

Quanto à participação remota em assembleias, apesar das dificuldades logísticas enfrentadas pelas companhias e pelos investidores, a CVM vem evoluindo na norma. Desde 2018, todas as companhias abertas de categoria A (emissoras de valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa) são obrigadas a adotar o boletim de voto à distância, ainda que mantendo os encontros presenciais.

*Danilo Gregório é gerente de Advocacy do IBGC. 

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