É preciso deixar o conselho de administração trabalhar

Artigo discute independência do conselho de administração e papel dos agentes de governança

  • 22/03/2024
  • Valeria Café
  • Artigo

A governança corporativa é o alicerce sobre o qual repousam as decisões estratégicas e o direcionamento de uma empresa. No centro deste sistema está o conselho de administração, cuja independência e capacidade de tomada de decisões são cruciais para o sucesso e a sustentabilidade de uma organização. Entretanto, temos observado, com uma frequência constante, a tentativa de outros agentes da estrutura da governança influenciarem decisões que devem ser dos membros eleitos para o conselho.

Causa uma certa estranheza, inclusive, ainda existir a necessidade de se abordar esses temas, quando analisamos o mercado brasileiro atual. Não é por falta de regras ou de conhecimento. Para ficarmos só no passado recente, assistimos à chegada do Código Brasileiro de Governança Corporativa em 2016, mesmo ano da promulgação da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), a primeira legislação federal a definir, de forma explícita, regras de governança corporativa que ajudavam a blindar empresas estatais e sociedades de economia mista de interferências políticas. O regulamento do Novo Mercado, segmento de listagem da B3, se tornou símbolo do crescimento das companhias listadas no Brasil, graças a suas exigências de governança, foi revisado pela quarta vez em 2022, desde seu lançamento, em 2000.

Prestes a completar 30 anos de atuação, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) lançou em agosto de 2023, a sexta edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, baseado nos princípios de: integridade, transparência, equidade, responsabilização (accountability) e sustentabilidade.

O conselho de administração tem a função de eleger e destituir os diretores da empresa, além de fiscalizar a gestão. Por isso, o Código das Melhores Práticas reforça que a atuação independente do conselheiro de administração garante a integridade do sistema de governança e mantém o valor das organizações. “Todo conselheiro, uma vez eleito, tem responsabilidade para com a organização, independentemente do sócio, grupo acionário, administrador ou parte interessada que o tenha indicado para o cargo”.

Vejam, por exemplo, o papel dos acionistas. Sejam eles majoritários, minoritários, “de referência” (o acionista ou grupo de acionistas com participação societária relevante) ou até mesmo um ente público, como ocorre nas estatais e sociedades de economia mista, é fato que desempenham um papel vital na organização de uma empresa. Entretanto, é crucial que entendam seus direitos e deveres e não tomem para si atribuições que são de competência do conselho.

A independência do conselho de administração é um princípio fundamental da governança corporativa, reconhecido internacionalmente. Países ao redor do mundo têm adotado regulamentações e diretrizes que visam garantir a composição independente e qualificada dos conselhos de administração. A razão para isso é clara: um conselho composto por membros independentes é mais propenso a tomar decisões alinhadas com os interesses de longo prazo da empresa e de conjunto de stakeholders.

Não vamos esquecer como funcionam os conselhos de administração. Individualmente, cada membro deve cumprir seu dever fiduciário. Em conjunto, todos devem chegar a decisões que atendam ao interesse da companhia. Aqui estamos falando de decisões colegiadas – aquelas que são decididas em conjunto, mesmo em conselhos repletos de diversidade.

Quando cada agente na estrutura de governança corporativa cumpre seu papel, os resultados são tangíveis. Conselhos com qualificação e autonomia para tomar decisões no melhor interesse da companhia tendem a apresentar um desempenho superior e a desfrutar de maior confiança do mercado e dos investidores, gerando mais valor. Por outro lado, a interferência indevida dos acionistas nas decisões do conselho de administração pode levar a conflitos, instabilidade e resultados negativos para a companhia e seus stakeholders.

Flexibilizar os critérios mínimos ou dar mais permissividade para a escolha de cargos estratégicos, como CEOs, na estrutura de uma empresa geram consequências indesejáveis.

Por isso o sistema de governança corporativa é tão importante e interdependente. É preciso que os acionistas confiem em seus conselhos de administração e os deixem trabalhar.


Autora: Valeria Café, diretora geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

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