Relato Integrado e o dilema shakespeariano: ser ou não ser compulsório?

Padronização de princípios e métricas é importante para credibilidade e transparência da empresa com investidores e mercado em geral

  • 18/10/2021
  • Doris Wilhelm e Francisco Maiolino, membros da Comissão de Comunicação e Mercado de Capitais
  • Artigo

Desde a criação do IIRC – International Integrated Reporting Council, em 2010, resultado da coalizão de entidades reguladoras, empresas e agentes de quase 30 países, muito se fez para estimular a adoção do Relato Integrado (<RI>). No Brasil, houve a criação da Comissão Brasileira para acompanhamento da implantação do <RI> e até “projetos-piloto”, com frameworks setoriais, de adesão espontânea de empresas que tinham interesse em ser pioneiras. O objetivo comum é criar um novo patamar para a comunicação corporativa, com a inclusão da abordagem de questões ambientais, sociais e de sustentabilidade em geral como parte relevante da estratégia empresarial.

O <RI>, através da utilização de metas e métricas associadas à 6 capitais – financeiro, humano, intelectual, manufaturado, natural, social e de relacionamento – consegue atingir esse objetivo de forma concisa, confiável, consistente e comparável, através de princípios orientadores, foco estratégico, direcionamento futuro, e uma matriz de materialidade.

11 anos depois, uma pesquisa de junho/2021 da IFAC – International Federation of Accountants, sobre asseguração da sustentabilidade (The State of Play in Sustainability Assurance), com 1.400 empresas em 22 países, mostra que 91% das companhias reportam alguma informação sobre sustentabilidade e 51% tem alguma asseguração (63% conduzidas por empresas de auditoria independente). 57% das companhias divulgam algum de Relatório de Sustentabilidade, 18% se utilizam do próprio Relatório Anual, 16% usam o <RI> e 9% não reportam. No Brasil os percentuais aproximados seriam 47%, 15%, 30% e 8%, respectivamente, uma posição até melhor de utilização do <RI>.

Em dezembro/2020 o IIRC anuncia uma fusão com o SASB, que possui métricas estabelecidas para 77 setores nos EUA, com a criação da Value Reporting Foundation, em tendência clara de consolidação de frameworks/standards, formalizada em julho/2021. Na mesma época, a CVM anuncia a Resolução Nº 14, que torna obrigatória para as companhias abertas a Orientação CPC 09 – Relato Integrado (princípios de orientação, conteúdo geral e asseguração limitada por auditor independente registrado na CVM), se optarem pelo <RI>, em vigor desde janeiro/2021.

Nas empresas de capital aberto ou mesmo fechado, que tenham investidores institucionais locais e estrangeiros, que via de regra são mais demandantes, existe muita disposição em prestar uma comunicação clara e transparente sobre sustentabilidade. Nessas empresas, as áreas responsáveis por relações com investidores, já enfrentam enormes desafios para atender às demandas de questionários sobre índices de Sustentabilidade, de  bolsas de valores locais e internacionais, de investidores – SASB, GRI, CDP, UNODS, UNSDG, TCFD, múltiplos critérios, ou ainda critérios próprios dos investidores – além dos demais relatórios, como de Administração e documentos/formulários de manutenção de Companhia Aberta, uma vez que a Resolução 14 não elimina outros relatórios.

Ressaltando que a essência da comunicação empresarial é reportar com transparência, clareza, objetividade e credibilidade a agregação de valor, assegurando o atendimento da estratégia aos investidores, ao mercado e demais partes relacionadas, fica a questão: Relato Integrado, ser ou não ser compulsório? Apesar da resolução da CVM não obrigar a usar o <RI>, ao decidir fazê-lo, a companhia passa a ter um custo e responsabilidade adicionais de observância.

Torna-se, portanto, importante perguntar: será a nova regulamentação uma facilitadora para as companhias que ainda não adotaram o <RI>, uma vez que já dá os princípios de orientação e conteúdo? Ou será uma inibidora para aquelas que já reportam por meio do <RI>, pois terão não só uma obrigação a mais, somadas às já existentes, mas um risco a mais de observância? Poderá gerar um retrocesso na adoção do <RI> no Brasil, que hoje é superior à média global?

Sem dúvida, o compromisso de administradores, a asseguração por entidade externa competente e um certo grau de padronização de princípios e métricas é muito importante na credibilidade e transparência da comunicação à investidores e ao mercado em geral. O <RI> é um passo importante nessa direção. No cenário internacional, verifica-se, claramente, movimentos em direção à uma padronização e harmonização global visando a comparabilidade sobre os relatórios, indicadores ou métricas, que sejam auditáveis/asseguráveis sobre ASG.

Cabe, no entanto, um debate, envolvendo as empresas, sobre a eliminação de reportes e uma eventual consolidação, que torne viável a mudança para um relatório mais robusto e completo como o Relato Integrado. Apesar da fusão do IIRC com o SASB, o mar de siglas e entidades em ASG ainda é abundante. Qual será o papel da regulação nesse contexto? A tendência será a unificação de métricas setoriais e de relatórios ou criar mais e mais relatórios e tornar tudo obrigatório?

Autores: Doris Wilhelm e Francisco Maiolino, membros da Comissão de Comunicação e Mercado de Capitais






Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.

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