A relevância (ou não) da “sopa de letras” para os conselhos

Sigla VUCA, usada para descrever o futuro cada vez mais incerto e imprevisível, ganha desdobramentos


  • 28/01/2021
  • Kika Capocchi Ricciardi e Ricardo Lamenza
  • Artigo

Não, não vamos falar aqui de ESG, IA, IoT, LGPD, BPM, CRM, PDCA, KPI, entre tantos outros acrônimos que passaram a fazer parte do dia a dia dos conselhos. Queremos refletir com vocês, particularmente, sobre os  desdobramentos de uma sigla em específico, desdobramentos estes estudados e analisados por participantes da Comissão de Estratégia, cunhados para descrever o futuro cada vez mais incerto e imprevisível, mesmo antes da crise da Covid-19: VUCA, TUNA, DELA, BANI e VUCA Prime.

O termo VUCA = Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo surgiu na década de 90, no U.S. Army War College, explicando o mundo no contexto pós-Guerra Fria e queda do muro de Berlim. No início dos anos 2000 a sigla voltou à tona e ganhou notoriedade no contexto do universo dos negócios, com o objetivo de conscientizar e alertar as lideranças sobre a crescente complexidade do cenário de mudanças rápidas e nem sempre previsíveis, desafiando-as - enquanto pessoas  e em seus respectivos ambientes de trabalho - a atuar e gerar resultados sustentáveis ao longo do tempo. 

Nos últimos anos firmou-se o conceito TUNA = Turbulento, Incerto, Novo e Ambíguo. Eixo central de um programa de Educação Executiva da Universidade de Oxford - The Oxford Scenario Planning Approach, que o usa em substituição ao VUCA, também parte do princípio que o ambiente externo muda rapidamente, e que aquilo que funcionou ontem e funciona hoje, não funcionará amanhã. Reforça a mensagem que as pressões do cenário TUNA desafiam a zona de conforto de executivos(as), condicionados(as) a atuarem em setores e situações anteriormente previsíveis, e aponta a luta da liderança em capturar sinais antecipados de alerta, identificar tendências de mercado ou tecnológicas, enfim, tentar prever o futuro.

Recentemente, outros dois conceitos trouxeram mais adjetivos para descrever o mesmo cenário incerto, de constantes e imponderáveis mudanças:   o DELA = Dinâmico, Emergente, Liminar e Antropocêntrico e o BANI = Frágil (do inglês “Brittle”), Ansioso, Não Linear e Incompreensível. Ainda que mantendo o foco na caracterização do cenário em que nós e os negócios em que atuamos estamos inseridos, o DELA   merece destaque pelo fato de sua autora, a antropologista e futurista Marguerite Coetzee, apontar para a necessidade de que todas as características desse cenário sejam avaliadas de acordo com a sua relação com o ser humano. Já o BANI busca ajustar a intensidade, a pluralidade e a interconectividade dos vetores de mudança que, em contexto de pandemia, potencializaram a complexidade do cenário VUCA/TUNA/DELA. 

O BANI é um gancho oportuno para mencionarmos um conceito que, apesar de ter sua origem há cerca de uma década, permaneceu fora dos holofotes:  VUCA PRIME (VP). Foi introduzido por Bob Johansen em 2011, após muitos anos de pesquisa sobre perfis de liderança requeridos para prosperar num cenário, àquela época denominado, VUCA. 

O que nos desperta a atenção no conceito do futurista Johansen é justamente seu apelo às lideranças para que, em vez de concentrarem sua atenção nas diferentes e múltiplas siglas que descrevem o mundo em que vivemos, transfiram seu foco para as ações sob seu próprio controle. Assim, estarão melhor preparadas para enfrentar e sobrepujar os desafios desta nova realidade.  Para essa atuação protagonista, Johansen evoca como âncoras Visão, Entendimento, Clareza e Agilidade, ou seja, o VUCA Prime. 

Neste aspecto reside o principal aprendizado que podemos depreender de todos esses conceitos: a necessidade de pivotar o eixo de coadjuvação para atuação protagonista, da fragilidade para a adaptabilidade, e sem perder o foco em criar estratégias sólidas em tempos de profunda incerteza. 
Gerd Leonhard, futurista alemão, diz que “as sociedades são impulsionadas pelas tecnologias, mas são definidas pela humanidade”. Nossa atuação enquanto pessoas, líderes, agentes da economia e da sociedade será, de fato, a variável determinante para equacionar a construção de um futuro melhor para toda a coletividade. Nessa equação, as mudanças de médio prazo acontecem muito mais em função das lideranças (pessoas) e as de longo prazo pelas tecnologias.

E como formular e implantar as melhores estratégias diante de um quadro de tantas incertezas sincronizadas, rápidas e dinâmicas? Como construir uma trajetória, para si e para os negócios que dirigem, de relevância rumo à longevidade? Estas reflexões são fundamentais para as lideranças e para membros de Conselho que devem estar, como enfatiza Johansen, melhor preparados para o futuro.

Para prosperarem num ambiente social e de negócios descrito por todo esse abecedário de adjetivos, indivíduos, equipes e organizações precisam desenvolver uma abordagem sistêmica, conjugando habilidades, práticas e modelo mental. Somente um repertório expandido, resultante dessas três trilhas conjugadas, permitirá às pessoas atenderem demandas complexas, recorrendo e mobilizando recursos, nos contextos específicos de seus ambientes – a se manterem saudáveis - de trabalho.

Os líderes exitosos nas organizações de hoje aceitam que o futuro é incerto e encontram maneiras de construir adaptabilidade e agilidade em suas organizações. E para isto, a lista de habilidades, práticas, ferramentas e modelo mental que, conjugados, ganham relevância como um antídoto para nossa realidade, é longa. Ressaltamos algumas a seguir:  

humildade para aprender, desaprender e reaprender é essencial; 
resiliência e capacidade de se recobrar frente a adversidades;
evitar a armadilha frágil de um futuro projetado a partir de um presente conhecido; 
curiosidade para investigar tendências e vetores de mudança; 
expandir horizontes de possibilidades, fertilizando o planejamento de cenários (cenarização) a partir do futuro, no presente (“future back”);
revisitar o propósito do negócio e o posicionamento da marca, em harmonia com os valores e cultura de quem os constrói;  
criar e incentivar um ambiente colaborativo e ancorado em relacionamentos saudáveis, favorável ao compartilhamento e à criação de ideias e novos conhecimentos, potencializando o aprendizado coletivo e contínuo; 
conceder autonomia decisória para execução assertiva e ágil, fundação para uma cultura organizacional dinâmica 
coragem para lidar com a ambiguidade, questionando prioridades em função de seu real valor adicionado;
adaptabilidade, um pivot foot para facilitar a resposta ao imprevisível ou imponderável;
comunicar o direcionamento e resultados esperados com clareza, para integrar, engajar e motivar a equipe; 
construir ambiente de confiança e segurança psicológica, centrado na transparência e como alicerce da saúde organizacional;
revisitar processos seletivos, de desenvolvimento e de reconhecimento, valorizando a diversidade, o novo coletivo de competências, assim como a liderança servidora e empática.

Não importa quantas e quais siglas surjam e se somem à “sopa de letras” para descrever o mundo e a sociedade em constante mudança. O quê, de fato, torna-se relevante é estarmos preparados, reformulando hoje a construção do nosso futuro enquanto profissionais e empresas. Com a bússola orientada por horizontes expandidos de possibilidades a partir do futuro, e não mais a partir das referências do passado.

Autores:
Kika Capocchi Ricciardi                               
Conselheira|Sócia-Investidora de Scaleups  e Membro da Comissão de Estratégia        

Ricardo Lamenza 
Conselheiro e Coordenador do GT Conselho do Futuro e Membro da Comissão de Estratégia

Este artigo é de responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do IBGC.

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