Normas ISSB, um novo ciclo nas divulgações de sustentabilidade

“O principal ponto dessas normas é a governança das empresas”, aponta o especialista no tema, Prof. Edilson Paulo

  • 09/04/2024
  • Angelina Martins
  • Bate-papo

No dia 26 de junho de 2023, a organização global International Sustainability Standards Board (ISSB) emitiu as suas duas primeiras normas - IFRS S1 e IFRS S2 -, iniciando um novo momento nas divulgações relacionadas à sustentabilidade. Elas ajudarão a aumentar a confiança nas divulgações das empresas sobre sustentabilidade para embasar as decisões de investimento e, como divulgado pelo próprio ISSB “pela primeira vez, as normas criam uma linguagem comum para divulgar os efeitos dos riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade”.

Com diretrizes e critérios para a divulgação transparente de informações relacionadas à sustentabilidade, essas normas foram criadas para garantir que os dados das empresas, pequenas ou grandes corporações, sejam fornecidos em paralelo com as demonstrações financeiras das empresas.

Para esclarecer dúvidas sobre as normas de sustentabilidade aplicadas ao Brasil, o Blog IBGC convidou para uma conversa o Dr. Edilson Paulo, que participa do GT Disclosure ESG, do Comitê de Finanças e Contabilidade e do Comitê de Sustentabilidade do IBGC do IBGC. Edilson Paulo é professor da Universidade Federal de Santa Catarina; membro convidado do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), onde coordena dois grupos de trabalho. Confira!

Blog IBGC: A que se referem as mais recentes normas internacionais emitidas pelo ISSB?
Edilson Paulo: Basicamente, essas normas envolvem dois grandes conjuntos de informações corporativas que são as demonstrações financeiras, conhecidas há décadas, e as relacionadas à sustentabilidade, que são mais recentes. Essas normas fazem a ponte entre as informações de sustentabilidade e as demonstrações financeiras das empresas e têm como principal preocupação regulamentar e organizar as informações pré financeiras, financeiras, de risco e oportunidades referentes à sustentabilidade.

É importante entender que as normas não têm preocupação de discutir a prática. Logicamente, acabam permeando, porque quando se fala em informações de sustentabilidade tem que se entender práticas de sustentabilidade, como também a lógica das demonstrações financeiras.

O Ministério da Fazenda adotou um cronograma para a incorporação dessas normas à estrutura regulatória brasileira. Poderia detalhar um pouco esse cronograma?
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu a resolução 193 de 20/10/2023 que dispõe sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo ISSB.

Em termos práticos, a partir de 2026, a resolução obriga que as informações financeiras relativas à sustentabilidade sejam publicadas e asseguradas por profissionais capacitados e provavelmente registrados na própria CVM. O cronograma foi criado para se atingir essa meta: a publicação de 2024 aplicada em 2025 e a de 2025, publicada em 2026. São dois anos voltados à asseguração limitada. Logicamente a publicação de 2026, aplicada em 2027 terá publicação e asseguração realizada por profissional qualificado.

Esse cronograma chama a atenção, de forma indireta, para que as empresas se preparem. Muitas não têm relatórios de sustentabilidade, outras têm, mas não atendem às normas que estão sendo emitidas pelo ISSB e pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS). Serão dois anos de aprendizado para as empresas começarem a trabalhar e preparar seus relatórios.

O principal ponto dessas normas é a governança das empresas. São inúmeros os fóruns e profissionais falando de sustentabilidade, mas esquecem da governança. Se queremos falar em sustentabilidade temos que falar em governança. As normas vêm estabelecer questões de governança para que essas informações sejam compreensíveis em qualquer parte do mundo e minimizem o socialwashing e grenwashing.

Com a publicação da Resolução CVM 193, a entidade tomou a dianteira mundial na aplicação dessas normas. Isso tem alguma implicação?
A CVM ter tomado a liderança dá mais peso ao alcance de resultados, por isso o seu respaldo é super importante, inclusive lá fora repercutiu muito bem, afinal o Brasil foi o primeiro país a adotar as normas. Tanto que acreditamos que seremos um dos principais países em que a operacionalização será bem analisada, quanto aos resultados. O que está sendo feito no país será exemplo para os demais países.

Poderia comentar a resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) que adotou as Normas Brasileiras de Preparação e Asseguração de Relatórios de Sustentabilidade, já convergidas aos padrões internacionais?
A resolução é super oportuna e importante até para que os profissionais de contabilidade e áreas afins se preparem para isso. Quando as empresas começam a se preocupar com essa demanda, que vem do mercado, procuram profissionais que tenham expertise em elaboração e asseguração; e a contabilidade tem histórico grande em reportar relatórios corporativos. A responsabilidade técnica perante os órgãos é do contador, mas a informação terá que ser construída em conjunto. Advindo disso, os contadores precisam melhorar e procurar profissionais qualificados para preparar essa informação.

As diversas equipes de uma corporação precisam trabalhar juntas, porque a responsabilidade do relatório de sustentabilidade é de toda estrutura de governança da empresa.

De que maneira os conselhos podem incentivar as companhias a elaborarem relatórios de sustentabilidade?
As empresas que produzirão esse tipo de relatório precisam de um plano de ação. Elas têm atividades para incorporar às normas que estão vindo? O que está aderente? O que não é? Há empresas bem próximas de atender as normas, mas outras estão bem distantes, mesmo que já produzam relatórios. Para as empresas que não têm, o processo é o mesmo, mas é necessário começar a identificar quem será responsável por esse tipo de ação e depois capacitar esse profissional e a equipe que vai trabalhar.

É importante que as empresas invistam na capacitação de seus profissionais, de comitês e conselhos, porque o diálogo será diferente. A forma de se fazer uma análise de risco será outra, por exemplo.

A inclusão no relatório de uma meta de sustentabilidade que não case com a informação financeira pode resultar em um processo de litígio ou o próprio regulador, por exemplo, a CVM, pode questionar as informações. As empresas que fazem promessas de carbono zero, por exemplo, mas não demonstram como atingir as metas começam a ser questionadas.

Novas normas virão, existe uma agenda que o ISSB vai trabalhar nos próximos anos é importante que o Brasil entre já na discussão dessas normas e não somente quando elas chegarem ao país. Para trabalhar com essa nova realidade, é necessário um esforço conjunto do CFC, CBPS, IBGC e as diversas entidades de classe com interesse no tema.


Clique aqui e leia o artigo das comissões de finanças e contabilidade e de sustentabilidade do IBGC: "Normas ISSB/IFRS e CVM: considerações para agentes de governança".

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